Trabalhos serão desenvolvidos em diversos laboratórios da universidade; Caism será parceiro em estudos na área da saúde da mulher
Vista aérea da Universidade (Divulgação)
A Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ganhou um Centro de Pesquisa Aplicada (CPA) em Inteligência Artificial (IA) para impulsionar aplicações dessa tecnologia no país. A sede é o Brazilian Institute of Data Science (BI0S), da instituição, que receberá inicialmente R$ 10 milhões, divididos em cinco parcelas anuais, para focar em diagnósticos médicos voltados à saúde da mulher, agricultura de precisão e otimização do uso de recursos agrícolas, entre outras áreas. O projeto poderá ser renovado por igual período e valor.
A ideia é criar, a partir do uso de algoritmos, “ferramentas de inteligência artificial que possam ajudar o médico na tomada de decisão. Claro que não é um cenário de ficção científica, nada vai dispensar a opinião do especialista, mas dar suporte”, explicou o diretor do BI0S, professor João Marcos Travassos Romano. Além disso, deverá criar um repositório de dados voltado especificamente para a saúde usando o histórico médico de pacientes – sistema já batizado de reBI0S.
Trata-se de um banco de dados para gerenciar os conhecimentos científicos gerados durante as pesquisas para tornar possível a um médico de qualquer parte do país acessar os dados históricos do paciente que estiver fora de sua área residência. A partir da obtenção de informações de forma fácil e estruturada, como ficha e imagens médicas, será possível ajudar na definição do melhor tratamento.
A IA é um campo de estudo multidisciplinar abrangendo várias áreas do conhecimento e também um conjunto de novas tecnologias para permitir aos novos equipamentos executarem várias funções avançadas de modo quase autônomo. O BI0S é um dos dez centros de pesquisas nesse campo constituídos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Eles estão localizados em diferentes regiões do país e desenvolvem pesquisas científicas, tecnológicas e de inovação voltadas à solução de problemas por meio da inteligência artificial nas áreas de saúde, agricultura, indústria e cidades inteligentes. O centro da Unicamp é o único fora de uma capital. Os centros de pesquisas estão instalados em universidades públicas e instituições de pesquisa, sendo três em São Paulo, dois em Recife (PE) e um cada no Rio de Janeiro, Fortaleza (CE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG). Os CPAs envolverão 95 pesquisadores principais e 739 associados.
TRABALHOS LOCAIS
Em Campinas, as pesquisas serão desenvolvidos por diversos laboratórios da Unicamp, coordenados pelo BI0S. Entre eles, estão o Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) e o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri). De acordo com Romano, o projeto buscará expandir a fronteira do conhecimento em inteligência artificial e contribuir para a transformação digital em saúde e agropecuária, além do estudo de algoritmos e das técnicas e bases teóricas do aprendizado de máquina e da IA.
Na área da saúde da mulher, as pesquisas contarão com parceria do Hospital da Mulher Professor Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism). “As pesquisas serão voltadas principalmente para o câncer de mama e câncer ginecológico”, explicou a gestora do BI0S, Marta Bastos. Esse último envolve cinco variações da doença, com o do colo do útero sendo o terceiro tipo de maior incidência entre mulheres. As estimativas para o triênio 2023-2025 são de surgimento de 51 mil novos casos, com uma taxa bruta de incidência de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Os outros cânceres são de endométrio, ovário e, mais raros, de vulva e vagina.
O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres, com uma projeção de cerca de 74 mil novos de 2023 a 2025, com potencial de causar a morte de 18 mil pacientes. Quanto à agropecuária, envolverá desde impactos das mudanças climáticas, desenvolvimento de alimentos mais saudáveis até a agricultura de precisão, como automação e a construção de modelos matemáticos que possam orientar sistemas de plantio, manejo e colheita para auxiliar na tomada de decisão em todos os processos. “Hoje, com a enxurrada de dados de que dispomos e a capacidade de cálculo, podemos reorientar a tomada de decisão com a ajuda das ferramentas de aprendizado de máquina”, disse Marcos Romano.
Na missão de transformação digital, está o desenvolvimento de start-ups e spin-offs (companhia fundada como uma derivação de outra organização empresarial ou acadêmica) para realização de processos de difusão científica sobre IA para alunos de graduação ou do ensino médio. O projeto também tem o intuito de abordar discussões de cunho ético e sociológico da IA.
“A missão do BI0S é fazer uma pesquisa de alto nível, que tenha prestígio internacional, mas com impacto muito concreto e efetivo para a sociedade, em particular para a sociedade brasileira. E promover um uso ético e responsável, comprometido com a formação e a boa informação para a população brasileira, de maneira a extirpar os males da fake news, fazendo com que ela tenha acesso à verdade das coisas", afirmou Marcos Romano.
ENVOLVIMENTO
O centro de pesquisa aplicada da Unicamp tem o envolvimento de cerca de cem pesquisadores e conta com um comitê consultivo internacional de 15 membros de diversos continentes, todos especialistas em inteligência artificial ou em áreas correlatas. O sistema vai mobilizar, ainda, nove unidades de ensino e pesquisa e dois centros interdisciplinares da universidade, além de outras cinco instituições brasileiras – o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do ABC (UFABC) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
De acordo com o projeto do centro de pesquisa, a proposta é que, após os dez anos de parcerias com os órgãos envolvidos, o BI0S se torne sustentável e seja institucionalizado dentro da estrutura da Unicamp. “Talvez como um centro formalmente instituído dentro da universidade”, explicou o diretor da unidade.
Cada um dos dez CPAs criados receberá verbas de igual valor. A metade será dividida pela Fapesp, MCTI e CGI.br, com os outros 50% sendo aportados por empresas parceiras. “Essa é a maior iniciativa relacionada à inteligência artificial em execução no país. Por meio de dois grandes editais, foram selecionados esses dez centros avançados em tecnologias digitais e inteligência artificial cujo valor total investido é da ordem de R$ 100 milhões, com contrapartida equivalente de empresas”, afirmou o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Marco Antonio Zago.
“Esses centros de pesquisa em inteligência artificial são, de certa forma, o embrião de políticas que estão sendo desenvolvidas em nível nacional, como o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA)”, afirmou a coordenadora do CGI.br, Renata Vicentini Mielli. Esse projeto foi lançado no final de julho passado e está dividido em cinco eixos estruturantes: infraestrutura e desenvolvimento; difusão, formação e capacitação; IA para melhoria dos serviços públicos; inovação empresarial; e apoio ao processo regulatório e de governança.
“No caso dos CPAs, todos têm parceiros privados, que contribuem com a contrapartida dos recursos públicos, mas é preciso um esforço adicional para promover maior participação e investimento de empresas no Brasil nessa área”, defendeu o diretor do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, Carlos Américo Pacheco.