Integrantes da última campeã do Carnaval de 2015, Leões da Vila Padre Anchieta, sambam na Francisco Glicério; retomada das apresentações acontecerá em formato não competitivo (Leões Da Padre Anchieta)
O pontapé inicial para o retorno dos desfiles das escolas de samba de Campinas para 2024 já foi dado. A Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria de Cultura, e a Liga das Escolas de Samba de Campinas (Liesca) se reuniram e preparam, em conjunto, um novo projeto de organização para as escolas e a profissionalização dos seus dirigentes. O local para a ‘passarela do samba’ ainda não foi definido. A previsão é que os desfiles aconteçam em julho do próximo ano.
Tanto a Liga quanto a Prefeitura descartam a realização dos desfiles em fevereiro, mês sagrado para as escolas de samba. A alegação é de que falta tempo hábil para definir um local e fazer toda a organização necessária para receber a estrutura carnavalesca. Por isso, a proposta é realizar os desfiles no mês de julho, nas comemorações dos 250 anos de Campinas.
Campinas não realiza a disputa das agremiações desde 2015. Para o próximo ano, a ideia é ter um desfile diferente dos anteriores.
“Não será um desfile competitivo. As escolas apresentarão um cortejo com tema obrigatório em homenagem aos 250 anos de Campinas. Teremos regras e obrigações que as escolas precisarão cumprir e respeitar”, confirma o presidente da Liesca, Edson Joia.
O presidente da Liga explicou que são 12 escolas filiadas, mas apenas cinco mantiveram as atividades sociais e carnavalescas nesse período sem desfiles oficiais e estão aptas a participarem. Na lista, estão algumas tradicionais escolas de samba, como a Estrela D’Alva, que completou 73 anos no dia 30 de junho, sendo a mais antiga agremiação de samba da cidade ainda em atividade, a Rosa de Prata, da Vila Castelo Branco, a Unidos do Shangai, que representa a região do distrito do Ouro Verde, e a Leões da Vila Padre Anchieta, última campeã do carnaval de Campinas. Ainda há a caçula, a Majestade do samba do Jardim Santa Lúcia, que deverá fazer a sua estreia no ano que vem.
Edson Joia afirmou que a participação de outras escolas que existem na cidade, ou novatas que tenham interesse em participar dos desfiles de 2024, não será restringida.
“Como já afirmamos anteriormente, haverá regras e obrigações para todas as agremiações, sem restrição. As novas escolas que queiram integrar a Liga ou aquelas que, por um motivo ou outro, estão paralisadas e desejam desfilar, não terão problema algum. Apenas terão que cumprir as exigências necessárias para colocarem a escola na rua”, completou.
A secretária de Cultura de Campinas, Alexandra Caprioli, confirmou o primeiro contato com a Liesca e reafirmou o desejo de retomar os desfiles das escolas de samba na cidade.
“Resgatar a cultura do carnaval das escolas de samba é o papel da Secretaria e do poder público, mas a Liga tem a consciência de que é preciso se estruturar e organizar as agremiações carnavalescas, principalmente pelo fato de não acontecerem desfiles há 8 anos”, esclareceu.
Ainda conforme Caprioli, a proposta da Secretaria de Cultura é auxiliar as escolas de samba e a Liesca, fomentando a sua organização através de oficinas com atividades ligadas ao carnaval, como a montagem e preparação de figurinos, alegorias e adereços, oficinas de percussão para novos ritmistas e produção de um workshop junto à Liga das Escolas de Samba de São Paulo e às próprias agremiações da capital paulista, com a participação dos carnavalescos.
Outra possibilidade que poderá ser oferecida pela Secretaria de Cultura às escolas de samba é uma parceria junto ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para aprendizagem em gestão administrativa e financeira de entidades culturais.
A secretária de Cultura e a Liesca anunciaram, à reportagem do Correio Popular, dois eventos que consolidarão ainda neste semestre o retorno das atividades das escolas de samba no município. Será realizada, em setembro, na Estação Cultura, a 1ª Feira Metropolitana Cultural do Samba, que contará com apresentação das agremiações carnavalescas da cidade e que terá a participação de uma escola de samba do grupo Especial de São Paulo como convidada.
No dia 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba, haverá, novamente na Estação Cultura, diversas atividades que relembram a data e, principalmente, a sua ligação com a cidade de Campinas. “É fundamental valorizar a cultura do carnaval das escolas de samba atrelada à cultura negra de resistência em Campinas. Impossível dissociar uma coisa da outra. Esses primeiros passos são importantes não apenas para o retorno dos desfiles oficiais, mas também para manter viva a memória dos que lutaram muito para que tudo isso acontecesse no passado”, reafirmou Alexandra Caprioli.
Nos próximos meses, a Câmara dos Vereadores deverá receber o seminário “Desafios para o Futuro das Escolas de Samba”, promovido pela Liesca e pela Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba). A data ainda não foi definida.
Cinco das 12 filiadas conseguiram se manter ativas durante o período sem desfiles oficiais, segundo o presidente da Liesca, Edson Joia (à direita) (Alessandro Torres)
ESCOLAS
O sentimento de que não se deve produzir o carnaval do mesmo jeito que nos anos anteriores é compartilhado pela presidente da Escola de Samba Leões da Vila Padre Anchieta, sete vezes campeã do grupo especial do carnaval, Elizeth Moscardin. “Após o desfile de 2015, a Leões já havia decidido que não desfilaria mais no carnaval de Campinas. Isso por entender que o formato de construção do carnaval na cidade não apresentava credibilidade nenhuma junto às empresas privadas, o que forçava as escolas a ficarem dependentes, financeiramente falando, apenas da Prefeitura.”
Eliseth considera que é fundamental, diante da nova proposta, a profissionalização do carnaval e, principalmente, das escolas.
“Nós já temos apoio importante da Prefeitura e da Secretaria de Cultura fornecendo estruturas físicas, como palco, tendas e banheiros químicos, nas atividades durante todo o ano. Com essas atividades culturais, vamos apresentar o carnaval como um negócio para atrair investimentos privados e que poderá ser lucrativo para as escolas e também para a Administração Municipal”, completou a presidente da escola da Vila Padre Anchieta.
MEMÓRIA
Um nome conhecido e respeitado na imprensa, e que dedicou 20 anos da sua carreira cobrindo o carnaval de Campinas, é Zaiman de Brito Franco. Ele considera importante o resgate da cultura de carnaval das escolas de samba. O jornalista de 84 anos relembra com carinho os grandes momentos e queridos personagens que movimentaram os desfiles da cidade. Na antiga Rádio Cultura, Zaiman foi o locutor oficial do carnaval de rua, transmitindo, ao vivo, desde os preparativos na concentração até os diversos sentimentos proporcionados pelos componentes da escola na dispersão.
“Foi uma experiência fantástica. Conheci grandes personagens e me tornei amigo de muitos. Era outra Campinas, com uma população menor, mas com um charme inesquecível”, lembrou.
Zaiman vivenciou momentos que deixaram saudades em todos sambistas. “As escolas ensinavam o samba. Valdir foi o maior mestre-sala que tivemos em Campinas. Lorde Edgar, da Mocidade Independente, Carabina, da Princesa D’Oeste, Beiçola, da Estrela D’Alva, Paixão, do Astronauta do Samba, Paulinho do Apito, Bica. São nomes do carnaval inesquecíveis até hoje”, recorda o jornalista.
As lembranças mais presentes para o veterano jornalista, no entanto, são as ligadas à Escola de Samba Acadêmicos do Ubirajara. A Escola, que foi comandada por Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho, ex-treinador de futebol da Ponte Preta, Corinthians, São Paulo e Guarani, é marcante porque por muitos anos ela desfilava luxuosa pela avenida e com muitos sambistas.
Foram inúmeras as discussões entre Cilinho e Zé do Pito, famoso carnavalesco da época. Uma delas resultou na sua saída da Ubirajara.
“Cilinho disse para todos que seria campeão do carnaval sem o Zé do Pito, pois a Ubirajara era maior que ele. Pois bem, após vários títulos seguidos da Ubirajara sob o comando da dupla, o Zé do Pito saiu e foi para Acadêmicos de Madureira do bairro São Bernardo. Quem foi a campeã daquele ano? A Madureira. E Cilinho foi obrigado a engolir a seco a competência do Zé.”
As memórias de Zaiman correspondem à alegria dos sambistas que terão novamente, em 2024, a possibilidade de retornarem com a Folia de Momo e de rufarem os tambores para as princesas e rainhas que desfilarão na passarela do samba campineiro.