ASSISTÊNCIA SOCIAL

Campinas aciona MP contra migração de morador de rua

Prefeitura quer inibir o envio de pessoas de outras cidades sem uma justificativa

Luis Eduardo de Sousa/luis.reis@rac.com.br
08/05/2024 às 10:09.
Atualizado em 08/05/2024 às 10:15
População de rua concentrada no Centro da cidade; a Secretaria de Assistência Social encaminhou à reportagem do Correio Popular relatos de pessoas enviadas para Campinas com a promessa de continuidade da viagem (Alessandro Torres)

População de rua concentrada no Centro da cidade; a Secretaria de Assistência Social encaminhou à reportagem do Correio Popular relatos de pessoas enviadas para Campinas com a promessa de continuidade da viagem (Alessandro Torres)

A Prefeitura de Campinas acionou o Ministério Público Estadual (MPSP) contra oito cidades, alegando que esses municípios estariam incentivando pessoas em situação de rua a migrarem para Campinas. Segundo o governo municipal, diversas pessoas abordadas recentemente afirmaram que foram direcionadas pelas prefeituras de suas cidades de origem a buscar outros destinos, incluindo Campinas, inclusive com apoio logístico. O MPSP confirmou, em nota divulgada ontem, que recebeu a notificação e já iniciou a investigação.

Das cidades envolvidas, três pertencem à Região Metropolitana de Campinas (RMC): Hortolândia, Jaguariúna e Valinhos. Os demais municípios são Bauru, Bragança Paulista, Limeira, Serra Negra e Poços de Caldas, este último no sul de Minas Gerais. Todas foram convocadas pelo MPSP para prestar esclarecimentos sobre a situação.

De acordo com os dados mais recentes da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, a população de rua em Campinas é de 932 pessoas. Esses números são de 2021 e a Administração municipal acredita que a quantidade tem crescido mensalmente. Moradores de rua locais também têm notado um aumento de pessoas oriundas de outras cidades, algo que lhes causa desconforto.

A advogada da pasta de Assistência Social de Campinas, Clébia Alves, apontou que a irregularidade foi descoberta durante o atendimento à população de rua. Ela ressaltou que a rápida migração de pessoas nessas condições para Campinas tem aumentado e preocupa a Administração municipal.

"Observamos que muitas pessoas chegaram aqui com o bilhete de vinda e a promessa de que a Prefeitura de Campinas providenciaria uma passagem para seu destino final. No entanto, a realidade é diferente. Não temos parceria com outras prefeituras para oferecer esse tipo de serviço. Oferecemos, sim, um programa de apoio a pessoas em situação de rua que desejam retornar às suas cidades de origem, mas garantimos o transporte direto", explica Clébia Alves, advogada da pasta de Assistência Social de Campinas.

"Para enviar alguém de volta, é necessário estabelecer contato com a família, amigos ou uma oferta de emprego, algo que assegure um vínculo da pessoa com a cidade de destino. Percebemos que as outras prefeituras não estão tomando esse cuidado, simplesmente enviando pessoas sem garantir nenhuma relação com o local para onde estão indo", acrescenta Clébia.

RELATOS

 A Secretaria de Assistência Social encaminhou à reportagem do Correio Popular relatos de pessoas enviadas para Campinas com a promessa de continuidade da viagem por meio de outras prefeituras. No entanto, essas ações foram realizadas sem informar a Administração campineira, deixando os viajantes desamparados na cidade.

"Eu estava em Poços de Caldas atrás de serviço. A Assistência Social me mandou para Campinas e disse que daqui ia me dar amparo para ir embora. Agora estou aqui, preocupado, pois não sou da cidade", relata um homem cuja identidade foi preservada.

Outro homem, vindo de Bauru, informou à Administração de Campinas que a Assistência Social de sua cidade o enviou para Campinas, afirmando que, ao chegar, a "central resolveria seu problema".

Um terceiro entrevistado relatou ter saído de Bragança Paulista com destino a Casa Branca. "A assistente social me mandou para Campinas e disse que quando chegasse aqui me dariam a passagem para Casa Branca. Estou sem roupas, sem alimentação, sem dinheiro para comer, para passagem, para nada", desabafou.

Ontem, a reportagem percorreu o Centro de Campinas e conversou com moradores de rua, que notaram um aumento de pessoas vindas de fora com situações semelhantes.

"Nós estamos percebendo que tem outras pessoas vindo de fora, sim, principalmente de São Paulo. Eles chegam e nos pedem informação. Há uma quantidade relevante deles que dizem estar fugindo do cerco feito à cracolândia lá na capital, e isso nos incomoda, pois não sabemos quem são as pessoas. Aos poucos, os grupos estão se dividindo, formando gangues e gerando brigas. Ou seja, está ficando perigoso até para nós que vivemos na rua", conta Anderson Oliveira, de 31 anos, que vive na Praça Ruy Barbosa há dois anos.

"É comum vermos pessoas de outras cidades também, de Sorocaba, Americana, de um monte de lugar", complementa o colega de Anderson, Fábio Júnior Bierrenbach, de 38 anos.

De um grupo de cinco homens ao lado da Catedral Metropolitana, apenas um era de Campinas; os outros quatro haviam se mudado para a cidade nos últimos anos. "Eu já estou aqui há três anos", conta Anderson Nunes, de 41 anos, "e vejo que está aumentando a quantidade de pessoas de fora. É normal nos deparamos com elas porque nos procuram para entender como funciona a cidade", complementa o rapaz, que é natural de Salvador (BA).

Na segunda-feira, funcionários da Assistência Social de Campinas identificaram um indivíduo recém-chegado que portava um guia com instruções detalhadas para chegar a Campinas. O documento listava os Centros Pop's e a Casa da Cidadania como locais de apoio aos recém-chegados.

"Campinas é uma cidade que tem bons serviços voltados à população de rua, que é uma questão humana. Mas isso acaba virando combustível para que outras cidades se desfaçam das pessoas e digam "olha, vá para Campinas que lá você vai resolver sua situação", diz o prefeito Dário Saadi (Republicanos).

MUTIRÃO 

Além de acionar o Ministério Público Estadual contra as cidades mencionadas, a Prefeitura de Campinas anunciou que vai intensificar seus esforços para identificar mais municípios que possam estar cometendo a mesma irregularidade. Abordagens serão realizadas pela Guarda Municipal para responsabilizar prefeituras que enviam, de forma injustificada, pessoas em situação de rua de outras localidades para Campinas. A iniciativa faz parte do programa Recâmbio, que tem como objetivo financiar passagens de transporte rodoviário intermunicipal para indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social. De acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social, em 2023, a maioria dos beneficiados pelo programa Recâmbio eram oriundos do Estado de São Paulo, representando 27% do total. Em seguida, vêm os estados de Minas Gerais com 10%, Bahia com 8%, e Ceará e Paraná, ambos com 7%.

POSICIONAMENTOS

Procuradas, apenas quatro cidades se manifestaram sobre o assunto. A Prefeitura de Jaguariúna afirmou em nota que "não encaminhou nenhuma pessoa em situação de vulnerabilidade para Campinas e que segue o protocolo de atendimento às pessoas em situação de rua elaborado pela Câmara Temática de Assistência Social da Região Metropolitana de Campinas (RMC), acordado entre todos os municípios, além das diretrizes do plano nacional de ação e monitoramento da população em situação de rua.".

Hortolândia informou, também em nota, que "possui uma rede completa de assistência social, com unidades de acolhimento, passagem, orientação e reinserção das pessoas em situação de rua em seus lares.".

Poços de Caldas destacou que respeita as escolhas das pessoas em situação de rua e "possui um amplo atendimento e acolhimento especializado para esse público." Além disso, afirmou que encaminha pessoas para outras cidades caso o próprio indivíduo demonstre intenção voluntária de migrar.

Bragança Paulista declarou que os dois indivíduos que teriam vindo a Campinas sob orientação da Assistência Social Bragantina nunca utilizaram os serviços do Centro POP. Acrescentou ainda que não obriga pessoas em situação de rua a deixarem a cidade, a menos que essa seja sua vontade.

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