ENTREVISTA

Brasil teve desempenho satisfatório nos Jogos Olímpicos, analisa Antônio de Pádua Báfero

Para ele, atletas brasileiros fizeram o que era o esperado, não decepcionando nem excedendo as expectativas iniciais

Elias Aredes, Manuel Alves Filho
18/08/2024 às 11:39.
Atualizado em 18/08/2024 às 15:08
Com trajetória rica nos esportes, Antônio de Pádua Báfero é professor aposentado da Faculdade de Educação Física da Unicamp,ex-secretário de esportes do governo Chico Amaral e foi técnico de vôlei do Guarani durante 20 anos (Rodrigo Zanotto)

Com trajetória rica nos esportes, Antônio de Pádua Báfero é professor aposentado da Faculdade de Educação Física da Unicamp,ex-secretário de esportes do governo Chico Amaral e foi técnico de vôlei do Guarani durante 20 anos (Rodrigo Zanotto)

O sorriso largo, o raciocínio rápido e a capacidade de refletir sobre os destinos dos esportes olímpicos no Brasil são características presentes no professor Antônio de Pádua Báfero. Professor aposentado da Faculdade de Educação Física da Unicamp, ex-técnico de vôlei do Guarani por 20 anos e ex-secretário de esportes do governo Chico Amaral, Pádua acompanhou com esmero a participação do Brasil nos Jogos Olímpicos e mostrou satisfação com os resultados conquistados. Para ele, a marca do evento foi a intensa participação feminina. Em relação à participação do Brasil, Pádua adota um tom de serenidade e elogia o desempenho dos atletas.

A convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni, Pádua esteve na sede do jornal e concedeu uma entrevista exclusiva. Confira os melhores momentos.

O senhor poderia contar um pouco de sua história?

Eu fui criado em Socorro. Depois fui para São Paulo e morei lá por um pouco mais de um ano. Meu tio era escrivão da justiça e estava jogando no Clube Pinheiros. Fiquei um ano no Pinheiros jogando bola, depois fui embora para Campinas, uma vez que meus interesses eram outros. Joguei um pouco no Regatas em 1962, 1963, mas eu tinha outros objetivos e fui trabalhar na Secretaria de Justiça. Lá, fiquei dez anos. Foi então que eu comecei a fazer faculdade de Direito. Parei o curso na metade e fiz Educação Física, fui parte da primeira turma da PUC-Campinas. Após esse período, fui dar aula de Educação Física, até que, em 1981, começou a minha vida de treinador. Aliás, nós temos alguns resultados esquecidos em Campinas, como o de 1974, quando ganhou pela primeira vez os Jogos Abertos do Interior no vôlei feminino. Daí para frente ganhou mais dez vezes, inclusive chegou a ceder três jogadoras para a Seleção Brasileira, que foram a Vera Mossa, Rita e Adriana, que pediu dispensa.

Campinas, aliás, tem uma história muito bonita no vôlei feminino...

Sim, da década de 1970 até a década de 1980, o time era do Guarani Futebol Clube. Bem, eu também estava na Seleção Paulista como treinador de todas as equipes, até que existiu um convite da Unicamp em 1985. Eu optei pela vida acadêmica. Sou mestre e doutor em Educação pela USP.

Diante dessa sua experiência, gostaríamos de saber: nós notamos que há uma forte evolução na preparação física dos atletas, mas às vezes verificamos que existem pessoas que são excepcionais atletas e não têm um talento aguçado. Como explicar isso?

Existe uma grande dicotomia entre a prática esportiva e a ciência esportiva no Brasil. Uma delas caminhou rapidamente. A ciência (do esporte) evoluiu após a década de 1970, quando tudo era teoria. A verdade é que o Brasil precisa melhorar os seus treinadores, principalmente na área do futebol. Teve um professor que tive o prazer, na década de 1990, de dividir a sala com ele: Manuel Sérgio. Ele fundou a Faculdade de Motrocidade Humana e fez a filosofia para o futebol. O primeiro aluno que saiu dali foi o José Mourinho, depois saíram os outros. É por isso que os técnicos portugueses deitam e rolam.

Os treinadores portugueses registram o seu conhecimento em livros. Não falta esse tipo de cuidado no Brasil? Não se poderia registrar os métodos de treinamento que acarretaram nas conquistas das medalhas nos anos de 1984, 1988 ou 1992? 

Existe uma empresa de São Paulo, e o Palmeiras foi o primeiro a utilizá-la. Eles administram tudo dentro do clube e entregam tudo para a Comissão Técnica. Eles estão de olho na base. No vôlei, por exemplo, o time feminino foi medalha de bronze. Ótimo resultado, mas foi com um técnico (José Roberto Guimarães) que está na área há 24 ou 25 anos. Não podemos esquecer que ele tem uma pessoa, que é o Elias Proença, que não é brincadeira. É o braço direito dele. No entanto, a renovação não é feita adequadamente.

Na abordagem geral, como o senhor analisa o desempenho do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris?

Foram três medalhas de ouro, sete de prata e dez de bronze, mas os outros países evoluem na questão do ouro e da prata, e isso é algo significativo. Eu acho que o Brasil cumpriu tudo aquilo que poderia cumprir. A Olimpíada de Paris foi muito boa. Essa foi a olimpíada feminina. Pela excelência, deixou uma marca legal.

Como o senhor avalia a participação das mulheres? 

É uma participação natural. Nenhuma mulher participou da Olimpíada de 1900, pois era proibido. Até que em 1971 o COI (Comitê Olímpico Internacional) baixou uma resolução que determinava que todas as modalidades deveriam ter participação feminina, e, com isso, (a situação se) igualou. Agora, em Paris, dos 10.500 atletas em 48 modalidades, nós tivemos 5.250 homens e 5.250 mulheres. Foi uma olimpíada estritamente feminina.’’

Um dos destaques foi a ginasta Rebeca Andrade, que soube detectar o momento adequado e fazer um movimento correto para ganhar o ouro no Solo. Ela mostrou conhecimento do regulamento, algo inexistente em muitos atletas e até nos torcedores. Como mudar isso?

Infelizmente, nós não temos os técnicos mais prontos para poder enfrentar esses problemas que aparecem. Quando eu era treinador (de vôlei) eu ficava preocupado com essas coisas. Hoje eles (técnico) têm filmes, recursos, enquanto nós tínhamos o Super 8 (filmadora). A resposta para essa pergunta precisa ser desmembrada. O atleta conhece o limite dele. Talvez a Rebeca pensou e disse para si mesma: “se eu tentar eu vou me 'ferrar'. Então vou no simples e ver no que vai dar”, e foi muito bom para ela. O único que estava dispensado (de conhecer o regulamento) era o Pelé, porque todo mundo sabia o que ele faria. Quando a gente olhava, ele já tinha feito.

E para o conhecimento da regra? Tem jeito?

É educar, ensinar e falar. É dizer: faça isso, faça aquilo.

Como nós continuamos evoluindo, já que a política esportiva não é um assunto predominante na sociedade?

Eu não gostaria de falar de política esportiva, e sim da política do esporte. Na política do esporte nós temos algumas grandes necessidades, e elas deveriam ser discutidas. Por que não são discutidas? Eu não tenho a resposta. Quando existir, eu quero discutir. Por exemplo, obrigue os clubes a realizarem iniciação de base para ver (o que vai acontecer). A Ponte Preta já foi um senhor clube de base, assim como o Guarani. No entanto, se não houver um trabalho de base você não vai encontrar (os valores). Quando trabalhei com o vôlei do Guarani, que foi campeão paulista oito vezes e 12 ou 15 vezes campeão dos Jogos Abertos do Interior, o que tinha na Prefeitura? Dez funcionários da Prefeitura dando aulas de voleibol. 

Não houve uma mudança em relação às escolinhas? Elas não estão dirigidas para outras modalidades?

Primeiro considero que é preciso acabar com termo pejorativo “escolinha”. Como também não deveríamos falar em educação física, e sim em atividade física. Ou colocar outro nome. Quando tínhamos 600 crianças na prática do voleibol, é porque tínhamos uma baita equipe de voleibol (de alto rendimento). Hoje você tem um ótimo time de vôlei e um trabalho de base acontecendo (Vôlei Renata), mas, agora, como despertar o gosto pelo esporte? Para isso, é preciso uma política (voltada ao esporte).

Os Estados Unidos têm torneios disputados entre as suas universidades, escolas de ensino médio…

E eles são campeões de tudo, mas veja só. Você pode assistir, acompanhar as competições que ocorrem ali, mas não pode conversar com o atleta. Caso exista o interesse, você pega o endereço do atleta, vai na universidade, confecciona uma carta e o convida para estudar na universidade. O estudo é vinculado com o esporte.

Para aumentar o número de crianças e adolescentes que praticam esportes, o ideal não seria que aceitássemos que nem todo mundo tem aptidão para o esporte de alto rendimento? Às vezes a criança, o adolescente, quer praticar um esporte, mas não tem um talento aguçado, e muitos não praticam por receio de serem alvos de chacota. 

Poderíamos começar com uma mudança cultural já para a Olimpíada de Los Angeles. É uma mudança estrutural do ser humano. Não adianta. Não é apenas a pessoa que joga que tem valor, não é apenas a medalha de ouro que tem valor. (As medalhas) de prata e de bronze têm muito valor.

Por que as medalhas conquistadas em outras competições não são consideradas tão relevantes quanto as dos Jogos Olímpicos?

A Olimpíada é a festa do esporte. É a festa máxima. Quem não quer estar lá? Quem não deseja estar embaixo do refletor olímpico? Se ganhar na Diamond League, apenas quem está no entorno da Diamond vai conseguir entender. Para os especialistas, a leitura do quadro de medalhas impõe uma análise mais intrínseca e mais profunda, mas no que diz respeito às medalhas de prata e bronze. Eles deixam à vista a reflexão e evolução de determinado trabalho. 

Temos a impressão que muitas vezes as pessoas que estão no topo das confederações não têm o preparo necessário e não dão o respaldo necessário ao atleta. Como mudar esse quadro?

É uma pergunta que demoraria um dia e meio para responder (risos). São muitas coisas que colaboram para essa dificuldade do Brasil de ter uma cultura esportiva. Não é somente criticar a política ou o treinador. Não é apenas isso. Nós não temos uma cultura esportiva. E como se constrói isso? Mediante projeto. É preciso ter uma política esportiva. Por quê? Porque a política esportiva é a única que pode determinar que ocorra uma proximidade entre o poder público e a iniciativa privada. Por que não existe? Porque temos leis confusas. Se existissem leis claras que determinassem a presença do poder público com a iniciativa privada certamente daria certo. Para finalizar, eu digo que não há cultura esportiva. E por onde começa? Com um projeto.

Skate, surfe e breaking são algumas novidades recentes no programa olímpico. Elas podem ser consideradas modalidades esportivas?

São sinais dos tempos. Nós teremos modalidades que nós nem sonhamos que existem e que nem nasceram.

Que competição tira o senhor de casa? O que o senhor gosta de assistir quando está na sua residência?

Dificilmente uma competição me tira de casa, foram vários anos nisso, mas eu sou o rei da TV. Eu assisto (qualquer jogo de) futebol, voleibol me atrai muito, basquete também. Todos os esportes me atraem.

Para terminar, quais são os seus hobbies? O que senhor gosta de fazer nas horas vagas?

Tenho dois ou três amigos que estão sempre por perto. Às segundas-feiras eu tomo um café pela manhã no Café Regina. Crio cavalos e reservo o período da manhã para escrever. Quanto a ser pianista, o Antônio Contente me perturba com essa história (risos). Ele descobriu e já me criou problema, até perguntaram se eu poderia tocar (risos).’ 

  

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