País precisa se preparar para lidar com esta realidade, diz fisioterapeuta
O fisioterapeuta Nivaldo Baldo é o diretor do Physiosport Rehabilitation Center, localizado no bairro Guanabara; lá, ele lidera uma equipe de fisioterapeutas que já prestou assistência a mais de 22 mil pacientes (Rodrigo Zanotto)
O Brasil está a caminho de se tornar um país de idosos. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, em 2050, o país terá 65 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, superando a quantidade de brasileiros e brasileiras mais jovens. Esse envelhecimento populacional traz impactos significativos não apenas para a previdência, mas também para os cuidados com essa faixa etária, que é mais suscetível a quedas, acidentes vasculares e cânceres. O fisioterapeuta Nivaldo Baldo, em entrevista ao Correio Popular, afirmou que os idosos com limitações físicas, mas com o intelecto preservado, estão sendo negligenciados pela sociedade.
Paralelamente, segundo Baldo, há um incentivo precoce para que crianças pratiquem esportes de alto rendimento, aumentando a vulnerabilidade a lesões físicas. "Isso prejudica a formação física, mental e comportamental dessas crianças, colocando sobre elas uma pressão excessiva que pode não ser correspondida. Isso pode resultar em uma geração frustrada e pouco preparada para a vida. Além disso, elas acabam negligenciando a educação escolar durante esse processo, o que tem um impacto terrível", avaliou.
Nivaldo Vanderlei Baldo nasceu em Campinas em 22 de abril de 1952. Graduado na primeira turma de fisioterapia pela PUC-Campinas em 1975, fez pós-graduação em fisioterapia neurológica e cardiológica na Cidade do México e especialização em acupuntura no Japão. Com mais de 40 anos de experiência, foi um dos pioneiros da fisioterapia esportiva no Brasil, introduzindo técnicas como a hidroterapia na prevenção e recuperação de lesões esportivas.
Ele atuou como fisioterapeuta da delegação brasileira nos XII Jogos Pan-Americanos em Winnipeg (1999), no World University Games em Kobe (1985), nos Jogos Pan-Americanos em Edmonton (1983) e da Seleção Brasileira de Futebol Sub-23 em Toulon (1983).
Em Campinas, Dr. Baldo foi presidente da Ponte Preta na década de 1990 e é conselheiro nato do clube. Atualmente, dirige o Physiosport Rehabilitation Center, no bairro Guanabara, onde coordena uma equipe de fisioterapeutas que já atendeu mais de 22 mil pacientes, incluindo atletas renomados como Amoroso, Juninho, Adriano Moraes, Oscar Schmidt, Falcão, Hortência, Xandó, Vera Mossa, Adauto Domingos e João Soares.
Dr. Baldo também discutiu os impactos da evolução tecnológica na fisioterapia, destacando o uso crescente de Inteligência Artificial (IA) e os desafios na formação educacional básica da sociedade. A entrevista foi concedida a convite do presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni.
Estamos vivendo em qual tipo de mundo na atualidade?
Bom, nós vivemos em uma era de transformação. Nós estamos assim numa época de muita informação. Eu acompanho a Inteligência Artificial pela necessidade, para não ficar para trás. Então, nós estamos passando da época da caravela para a época do iate. O mundo está lotado, por exemplo. Nós temos hoje, a cada três segundos, um artigo novo. Geralmente esses artigos começam a ser falhos. Antigamente não. Então hoje você precisa saber muita origem e checar para ver se esses artigos realmente não são conflitantes. Entendeu? E geralmente grandes, grandes revistas, grandes pesquisadores estão envolvidos em interesses. Então nós vamos passar por mais uns 100 anos ainda de interesses e adaptações. Com isso o povo perde muito.
De que forma?
Perde com misticismo de alimentação, por exemplo, com falsas ideias de medicamentos que são realmente maravilhosos. E não são.Vocês devem ter visto quantas polêmicas que existem, quanta contradição. O mundo ficou realmente muito difícil.
E com a inserção das redes sociais então?
É, por isso mesmo. Hoje o influencer, que tem uma grande responsabilidade na sociedade, ele às vezes, não por maldade, por desconhecimento, por rapidez, ele coloca coisas absurdas. Então, nós estamos vivendo uma época de muita dificuldade intelectual. As universidades estão fechando, ficando praticamente apenas as universidades a longa distância. E nós estamos passando por uma grande transformação com perda de qualidade. Aí eu fico vendo a pessoa se formar. Ela tem que prestar agora o teste para ver se está formada. Se você estudou com qualidade, você não precisa.
O que está acontecendo?
Uma coisa muito difícil. Então eu vejo hoje na minha profissão, nos meus amigos, a grande dificuldade, uma briga de espaço muito grande, entendeu? Você vê que há uma necessidade evolucional, é de hospitais, tudo. Antigamente o hospital vivia de caridade. Hoje ele fica com uma coisa de alto lucro. Antes não dava lucro. As enfermeiras eram freiras. Sempre tinha alguma coisa nesse sentido. Então nós estamos nessa mudança. A medicina desmembrou muito, desmembrou demais, ficou muito específico. Muito especializada, que é algo bom. Mas essa transformação traz muita preocupação e perda. Você não sabe, às vezes, o que fazer. Então a moda hoje é fazer implante de cabelo na Turquia, por exemplo. Isso chama-se medicina turística.
Imagino que deva ser algo muito rentável. Mas é algo recente, não?
Por exemplo, eu levava os jogadores para operar nos Estados Unidos. Porque não tinha uma estrutura aqui, mas é algo que temos hoje. Era uma medicina turística na ocasião, mas era de ponta. Ou seja, é algo que já existe há tempos. E sim, é algo lucrativo. Hoje vivemos em um mundo de grandes coisas, de chamamento, e isso deixa as pessoas doidas. Mas a evolução técnica na minha área, e na de colegas médicos e de outras áreas da saúde é evidente. Na urologia, o que evoluiu? O uso da robótica nos procedimentos cirúrgicos, por exemplo, é impressionante. É um salto que você não poderia imaginar antes. Coisas assim vão nos deixando envelhecer com mais qualidade. Então nós vamos cada dia mais envelhecer bem. Não é porque está fazendo botox, não é nada disso.
E quais os motivos para estarmos envelhecendo com mais qualidade, na opinião do senhor?
Estamos nos alimentando melhor. Com medicamentos de mais qualidade à disposição. Nós temos uma gama de medicamentos muito grande. Apesar que os preços não são plausíveis para certas doenças. Nessa estrada de desenvolvimento, no entanto, nós ainda vamos sofrer muito. Muita gente vai falecer pelos equívocos de alguns.
Há essa grande contradição. Quer dizer, se por um lado a gente registra avanços, ainda tem gente que acredita nos mitos de saúde espalhados por aí?
E que muitas vezes prejudicam as pessoas. Eu peguei dengue recentemente. E indivíduos me vendiam o inhame como se fosse a cura para tudo. Talvez ele até contribua para algum aspecto da sua recuperação. Mas me diziam assim, consuma o inhame. Você vai sarar. Então as pessoas ainda acreditam nesse tipo de mito. Ao mesmo tempo que a gente fala de telecirurgia, de Inteligência Artificial. É uma contradição absurda. Nós somos um país do chá. Tome um chá para isso, um chá daquilo. Não é verdade? Lógico que a fitoterapia é importante, mas junto com empresas que têm responsabilidade, com pesquisas assumidas, publicadas. Isso vale para outros tantos exemplos. Quando a coisa é pequena, a cura é mais fácil. Mas quando você tem problemas realmente sérios, profundos, de doenças, patologias, perdas, acidentes, precisa de soluções sérias e com embasamento científico.
Ainda falando do aspecto tecnológico, como o senhor avalia a quantidade de máquinas nos tratamentos da área da saúde?
Não são necessários tantos maquinários para você recuperar uma pessoa. É mais um marketing. Exemplo, abriu um centro em São Paulo, um de recuperação e o cara pôs 1.200 máquinas. Não precisa. O marketing em torno disso influencia de forma negativa as pessoas do setor.
Em relação ao esporte, como está a nossa formação de atletas de alto rendimento?
O esporte hoje não tem mais segredo. Dizem que você não consegue fazer jogador de futebol com qualidade no Brasil. Mentira. Lembra antigamente? Diziam que o Zico foi preparado numa espécie de laboratório. Por que não fizemos mais jogadores como ele? Pois não são laboratórios que os criam, mas sim o talento de cada um deles. Os mais observadores começam a ver que existe muito marketing. E você vê isso em todas as profissões. Ah, eu vou fazer um pintor bom. Me mostra dois Michelangelos? Não dá, né? Então o dom, essa é a coisa mais impressionante. Porque às vezes a pessoa tem tudo, não faz nada. E outros não têm nada e fazem tudo. O treinamento, a preparação, o estudo e a dedicação são fundamentais para formarmos novos Zicos no futebol. E mais craques em outras profissões, também. Mas estamos mudando muito. Eu viajo muito, viajei bastante e trabalhei muito. Eu vejo o Brasil com coisas muito boas. O sistema nosso do SUS, todo mundo mete o pau, fala, mas ele ajuda muito. É que as pessoas não ajudam de forma geral, mesmo sendo um sistema onde o governo fornece ajuda.
Como assim elas não ajudam?
Só em países super evoluídos você tem isso, que é o SUS. Você vai nessas farmácias, onde boa parte vem de graça, graças ao SUS. Tem o lado positivo e o lado negativo. De positivo é o aspecto de saúde, onde há prevenção e tratamentos adequados. Mas o negativo é que o povo se acomoda também. Porém eu vejo que o Brasil daqui a pouco não será mais um país de jovens. Nós seremos um país de pessoas maduras que vão durar muito. E aí está a dificuldade.
Estamos preparados para isso de uma forma geral hoje?
Eu vejo que nenhum país do mundo está. É algo matemático. Eu tenho uma aglomeração aqui que trabalha e que sustenta essa aglomeração. O equilíbrio do sistema previdenciário, por exemplo, está em quem mais trabalha e paga para um grupo menor, já aposentado, poder sobreviver. Com todo o apoio, exames, remédios, alimentação saudável, é possível. Tivemos uma tradição específica no Brasil das pessoas se aposentarem relativamente cedo, na faixa dos 50 aos 60 anos. E isso sobrecarregou o nosso sistema previdenciário. Gerando pessoas ociosas. E elas poderiam ser mais aproveitadas, devido ao grande conhecimento intelectual e de experiência de vida.
E o que fazer para evitar um colapso?
Eu fiz um tour, uns dois anos atrás, só para fazer um estudo sobre os idosos. Fui à Espanha, Portugal, Holanda e Alemanha. Fui visitar os melhores centros que cuidam dessas pessoas. A maior preocupação deles é a ociosidade. Porque melhora a saúde, faz fisioterapia e não faz mais nada. Então, o grande problema, o grande vazio é você estar vivendo mais, melhor e ocioso. A aposentadoria é muito precoce. O sonho do latino é aposentar. Ele quer aposentar. Aí ele se aposenta e entra em problema físico e mental. Se nós não amadurecemos nisso, não vai ter uma solução. Vai ser uma catástrofe. Hoje você está vendo essas pessoas dormindo na rua. Porque não tem onde colocar os idosos. Mas ao mesmo tempo temos pessoas com 90 anos, conversando, dirigindo e lúcidos.
O curioso é que os estudos técnicos já alertavam que a gente chegaria nesse patamar, com mais idosos a cada ano que passa, mas não se fez nada…
O grande problema é a aposentadoria. A aposentadoria tem que ser melhor pensada, nos dias de hoje as pessoas vivem mais. Aí está o desequilíbrio. Porque a aposentadoria é o emprego do idoso, do que tem deficiência física. Mas vamos avaliar esse lado. Nós temos uma infinidade de deficiências físicas. Cognitivas, intelectuais. Se você fizer, colocar tudo isso junto, dá uma massa de gasto e de preocupação. Não sei onde isso vai parar. Porque hoje você tem tantas patologias genéticas, congênitas, adquiridas por drogas, por acidente. O pessoal não está coibindo isso. Porque o pessoal fala assim, nós temos 70 mil assassinatos por ano. É uma coisa de guerra. Mas eles não mensuram a perda econômica maior do que o que está vivo e que ficou com sequela. Por exemplo, uma pessoa que ficou com sequela vai durar como qualquer um, só que ela requer mais gasto, mais cuidado. O problema é aquelas que estão vivas, com sequelas, com AVC, por exemplo, hemiplégica, com lesões medulares da coluna. Apesar dos pesares, tenho vários exemplos de indivíduos nessas condições com uma resistência de lutar para viver. É impressionante. E duram muito. Então, como vamos manter todo esse povo?
Uma dúvida em relação ao aspecto de saúde é sobre a população mais suscetível, como os idosos, por exemplo. Quais vão ser os principais aspectos que temos que tomar cuidado?
O grande problema do idoso nesse caso, seja ele de qualquer tipo, é a perda motora. A perda motora acontece por várias razões, por diabetes, etc, é natural. É uma degeneração natural. A maior preocupação é o cuidado de ele não cair, não beber, não fumar, porque aí você consegue mantê-lo. Então são as quedas e os problemas crônicos que acontecem em todo o mundo, acidentes vasculares, entre outros tipos. Fora se falarmos do câncer, falar dos tumores. Nós estamos vivendo um extermínio. Mas queremos pagar um imposto no futuro. E qual seria, para poder viver mais e com qualidade? Você evitar certas coisas, certos estragos e depois ter uma estrutura que te apoie. Com técnicos. Antigamente você não ia quase no dentista. Hoje você tem uma clínica de odontologia em cada esquina. Facilitou. É um exemplo de qualidade.
Sobre a juventude de forma geral, como está no aspecto de formação física? Está adequada?
Nós estamos evoluindo, sem dúvidas. Nosso quadril vai melhorar, nosso joelho vai melhorar. E assim por diante. No entanto, mais lesões estão acontecendo entre as pessoas mais jovens. E isso tudo com as práticas esportivas sendo antecipadas demais. Tem causado muita perda, muita doença articular. Eu sempre digo, o imposto do esporte é a lesão. E mais do que isso, acaba acarretando em outros problemas...
E quais seriam?
Impactos no desenvolvimento mental e educacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe um estudo que abordou os impactos na saúde mental com a prática esportiva de alto nível feita tão cedo. Com tantas expectativas, que podem não se cumprir, os meninos podem ficar angustiados. Mais do que isso, eles acabam se concentrando mais na preparação esportiva do que na intelectual. O resultado é a geração de uma parcela da população pouco preparada para os desafios da vida fora do esporte. Esse último aspecto eu observo que acontece mais aqui no Brasil.
Em relação à preparação intelectual das pessoas, o senhor vê muitas diferenças da sua época de estudante?
Na minha época de escola, com todo o respeito aos mais jovens, nós éramos criativos. Matamos a criatividade da criança. A gente fazia os nossos brinquedos. Carrinhos de rolemã, por exemplo. Fora que as brincadeiras eram mais criativas. Isso é um sintoma grave, pois ajuda a dificultar o aprendizado das pessoas. E é um dos fatores que deixam o nosso ensino básico deficitário. Outro fator, por exemplo, é a falta de incentivo à leitura. Uma pena. Mas tenho esperança em tempos melhores.
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