Apesar das dificuldades, hoje a inclusão digital abrange praticamente nove em cada dez domicílios paulistas, de acordo com pesquisa TIC Domicílios
A série histórica mostra que 24% dos habitantes de áreas urbanas eram usuários da rede há 20 anos; em 2024 o índice alcançou 86%, indicando um total de 141 milhões de pessoas conectadas ao ambiente digital (Rodrigo Zanotto)
A estudante Letícia Cristina Moura passa pelo menos dez horas por dia na internet. O acesso à rede de conexões globais pelo tablet ou celular é usado para várias finalidades e substituiu outros aparelhos eletrônicos, como televisão, videogame, GPS, rádio e MP3 player. "Eu uso para estudar, ver séries, jogar e acessar as redes sociais. Assisto enquanto estou lavando a roupa ou a louça", explicou. Ela retrata o avanço da internet no Brasil nos últimos duas décadas, hoje presente em praticamente nove em cada dez domicílios paulistas, de acordo com pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.
O recorte paulista acompanha a média nacional.
A rede está presente hoje em 88% das casas no Estado de São Paulo, de acordo com estratificação feita pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), contra 21,91% em 2005, primeiro ano da pesquisa. Na ocasião, o levantamento se restringiu apenas à Região Metropolitana de São Paulo. O recorte paulista acompanha a média nacional. A série histórica mostra que 24% dos habitantes de áreas urbanas eram usuários da rede há 20 anos. Em 2024 o índice alcançou 86%, indicando um total de 141 milhões de pessoas conectadas ao ambiente digital.
"A inclusão digital também é importante para o desenvolvimento econômico do país. Ela permite a criação de novas oportunidades de trabalho, aumenta a produtividade e a competitividade das empresas e contribui para a redução da pobreza", afirmou o consultor e especialista em acessibilidade Marcos Alencar. "A acessibilidade digital é crucial para garantir que todas as pessoas possam participar plenamente da sociedade e aproveitar os benefícios da tecnologia. Sua falta pode limitar as possibilidades de aprendizado, trabalho e lazer para pessoas com deficiências", completou.
EMPREGO NA MÃO
A internet permitiu a Gabriel Quinaglia de Souza trabalhar como corretor de imóveis. "Faço tudo por ela: divulgação, conversas com os clientes e fecho negócios", contou. Por facilidade de transporte, menor peso e tamanho, ele faz uso principalmente de tablet. "Ocupa menos espaço e é mais fácil de carregar". Quando faz uso por um período maior, basta acoplar um teclado e mouse para ter a mesma maleabilidade de um notebook.
Porém, esse equipamento é o de menor uso no Estado de São Paulo. De acordo com a TIC Domicílios, apenas 5% dos usuários acessam a internet por meio de tablets. Em São Paulo, grande parte (47%) utiliza o notebook, enquanto outros 13% fazem uso do computador de mesa (desktop) e 35% recorrem a mais de um tipo de equipamento. O estudante Victor Matheus Ribeiro prefere o smartphone e o desktop e pretende usálos também para trabalhar em casa. "Estou procurando emprego e a minha intenção é trabalhar em home office", revelou. Essa modalidade de trabalho à distância cresceu muito e se difundiu após o isolamento social necessário durante a pandemia de covid-19, principalmente em 2020 e 2021.
Nesse aspecto, a realidade paulista destoa do restante do Brasil. Segundo a TIC Domicílio, 60% dos usuários de internet no país se conectam à rede pelo celular, mas não pelo computador, enquanto 40% utilizam ambos. Nas classes D e E, as proporções foram de 86% e 13%, respectivamente. O acesso exclusivo à rede pelo celular é maior entre as mulheres (66%) do que entre os homens (54%) e entre pretos (56%) e pardos (66%) do que entre brancos (51%).
FUNDAMENTAL PARA TUDO
A internet e dispositivos eletrônicos passaram a ser uma necessidade até mesmo para quem faz as atividades mais elementares e manuais. A faxineira Luciene Maria Santos paga um pacote básico da rede para smartphone para bater ponto por meio de um aplicativo. "Uso basicamente apenas para isso e para mandar mensagens de áudio aos meus parentes", afirmou. É um meio para manter contato e matar a saudade dos familiares em Pedra Azul (MG). Os 1.315 km entre Campinas e o município próximo à divisa com a Bahia tornam mais difícil a viagem. "São 24 horas de viagem de ônibus", contou Luciene Santos. Dessa forma, a internet ajuda a encurtar a distância.
A TIC Domicílios mostrou que em duas décadas o país passou de um a cada oito domicílios com internet para sete conectados a cada oito. A forma de acesso também mudou: em 2008 os usuários se conectavam mais via lan houses ou cibercafés, e utilizando computadores. Atualmente, quase todos se conectam de seus domicílios utilizando um smartphone. O estudante Messias Alan Furquim fica em torno de 6 a 8 horas diárias na internet e a usa para tudo, até para fazer compras. "Apenas as compras de comida no supermercado e de roupas e calçados são em lojas físicas. Compro de tudo pela internet, principalmente periféricos para o computador."
De acordo com uma pesquisa realizada pela Seade, 67% da população paulista fez compras pela internet em 2024, sendo que 56% afirmaram ter efetuado essas aquisições no último mês, sugerindo a consolidação do e-commerce no Estado. O celular é o dispositivo mais usado para acessar o comércio eletrônico pela praticidade, conveniência e possibilidade de comparar preços e variedades de produtos disponíveis. Segundo o estudo, 88% dos entrevistados usaram aplicativos para fazer compras, com a periodicidade indo de diária a pelo menos uma vez por mês.
"Compras on-line se tornaram um hábito, e entender esse comportamento ajuda a delinear a dinâmica econômica e comportamental dos usuários da internet", avaliou o analista de pesquisas da Fundação Sede Irineu Barreto. O segmento que realiza mais compras por aplicativos com regularidade diária é composto por pessoas entre 18 e 29 anos (34%). Nesse grupo, as habitualidades diária ou semanal atingem juntas o índice de 71%. Essa frequência diária declina conforme aumenta a idade: no grupo de 60 anos e mais, somente um quinto dos usuários realiza diariamente compras por aplicativo.
BARREIRAS
Apesar do avanço da internet, a TIC Domicílios revelou barreiras ainda a serem superadas. Enquanto a internet está presente em 100% dos domicílios de classe A, por exemplo, o índice é de 68% nos lares das classes D e E. Além disso, de um total de 29 milhões de não usuários da rede, 24 milhões moram em áreas urbanas, 22 milhões têm até o ensino fundamental, 17 milhões se declaram pretos ou pardos, 16 milhões pertencem às classes D e E.
Os dados mostram ainda desigualdades na qualidade do acesso à internet. Segundo o indicador de conectividade significativa criado pelo Cetic.br, incluindo fatores como custo e velocidade da conexão, presença de banda larga fixa nos domicílios e acesso por múltiplos dispositivos, apenas 22% dos indivíduos com 10 anos de idade ou mais no Brasil têm condições satisfatórias de conectividade.
"A digitalização do mundo trouxe muitas oportunidades para o desenvolvimento econômico, social e educacional, mas também pode agravar as desigualdades se não for abordada de forma inclusiva", analisou o consultor Marcos Alencar. "Isso afeta negativamente o desenvolvimento de indivíduos, comunidades e países inteiros. Por isso, é fundamental garantir que todas as pessoas tenham acesso à tecnologia e à internet e saibam como usá-las de maneira eficiente", completou o especialista em acessibilidade.
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