Umlevantamento realizado pela Serasa em janeiro identificou que os serviços básicos são o terceiro maior gasto no orçamento familiar, ficando atrás apenas da alimentação e das despesas com automóveis (Alessandro Torres)
O pagamento de serviços básicos - água, luz e gás - compromete até 40% do orçamento de 11% dos consumidores, conforme pesquisa realizada pela Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box. O levantamento, que contou com a participação de entrevistados de todo o país, incluindo a Região Metropolitana de Campinas (RMC), ouviu 3.386 pessoas entre os dias 26 e 27 do mês passado. A pesquisa revelou ainda que em 63% das famílias, apenas um membro é responsável pela quitação dessas contas. Em 37% dos lares, a divisão dos pagamentos é compartilhada, com metade dos entrevistados destinando 10% da renda para pagar as faturas.
Este novo levantamento complementa uma pesquisa anterior divulgada pela Serasa em janeiro, que identificou os serviços básicos como o terceiro maior gasto no orçamento familiar, ficando atrás apenas da alimentação e das despesas com automóveis. As utilities (serviços básicos) foram apontadas como a segunda principal causa de inadimplência, representando 22,24% dos casos em abril, segundo a Serasa. Elas ficam atrás apenas dos bancos e cartões de crédito (29,62%) e à frente de financeiras (17,32%) e serviços (11,47%).
"Água, luz e gás estão muito caros. Se incluir o aluguel, compromete mais da metade do que eu ganho", lamentou Rosa Aparecida dos Santos, auxiliar de serviços gerais. Essas contas somam cerca de R$ 1 mil por mês, aproximadamente 70% de sua renda, que é de um salário mínimo, atualmente R$ 1.412. Com o filho desempregado, Rosa é a única responsável pelo sustento da casa. "Eu pago o aluguel com o salário, e a água e a luz com o vale", explicou Rosa. Como a fatura de água vence até o dia 9, ela sempre é paga com atraso. A alimentação é garantida pela cesta básica que recebe no emprego.
PESO
Para o economista Cláudio César Gonçalves, a participação dos serviços essenciais no orçamento pesa principalmente para a população de renda mais baixa. Segundo ele, esse cenário é um reflexo do aumento no número de desempregados durante a pandemia de covid- 19. "A taxa de desemprego teve uma queda desde o ano passado, mas as pessoas priorizam o pagamento das despesas fixas prioritárias, como aluguel e alimentação, deixando as contas atrasadas em segundo plano", avaliou o economista.
Outro fator que dificulta o pagamento das dívidas é a queda na renda dos trabalhadores. O Mapa dos Empregos, do Observatório PUC-Campinas, mostrou em abril estabilidade na média salarial dos admitidos na Região Metropolitana de Campinas (RMC) até os 39 anos de idade, sem atualização nem pela inflação, acumulada em 3,69% nos 12 meses encerrados em abril, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Segundo o levantamento, o valor médio inicial na faixa dos 18 aos 24 anos, onde se concentram seis em cada dez empregos criados, ficou em R$ 1.989.
O montante é 14,85% inferior à média geral, que ficou em R$ 2.335,94. No caso dos trabalhadores de 25 a 39 anos, o valor médio de contratação foi de R$ 2.526. Para a pesquisadora responsável pelo estudo do Observatório PUC, a economista Eliane Navarro Rosandiski, "o corte nos salários faz parte da estratégia das empresas para redução dos custos", que também inclui a terceirização de várias atividades.
Segundo ela, essa tendência deve se reverter com a maior queda no desemprego, forçando as empresas a pagar salários melhores para atrair novos funcionários. Essa é uma realidade, por exemplo, na construção civil, onde há falta de mão de obra especializada para funções como pedreiro, carpinteiro, ferreiro e mestre de obra. Nesse setor, o salário inicial em abril foi maior em todas as faixas etárias em comparação ao mesmo mês do ano passado, com a média ficando em R$ 2.578,73, contra R$ 2.237, uma diferença de 15,27%.
EM ATRASO
A faxineira Maria Caetano Lopes esteve ontem em uma lotérica no Centro de Campinas para pagar a taxa de condomínio, que inclui água e gás, atrasada. "Não tinha dinheiro quando venceu", resumiu. Para ela, as contas básicas consomem entre 30% e 40% da renda. "Pesa muito porque está tudo caro", reclamou. Já o desempregado José Roberto Santos pagou com alguns dias de antecedência a fatura de luz. "A pessoa tem que viver com o que ganha", afirmou, se mantendo no momento com o seguro- desemprego e bicos como vigilante e porteiro.
No passado, ele já viveu uma experiência estressante com a inadimplência do crediário de uma loja de eletrodomésticos. "Eu fiquei enrolado. Nunca mais quero passar por isso", afirmou Roberto Santos. Atualmente morando sozinho, ele disse conseguir equilibrar as contas por ter despesas de valor baixo. "Moro no meu apartamento e meu carro não paga mais IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor)", explicou.
De acordo com a Serasa, para ter umorçamento equilibrado e evitar ou sair da inadimplência, o consumidor deve seguir a regra 50/30/20. Acompanhando essa proporção, ele deve destinar 50% para os gastos essenciais (incluindo aluguel, comida e contas básicas), 30% para gastos variáveis (cartão de crédito, lazer etc.) e 20% para reserva de emergência. No entanto, a fiscal de prevenção e perdas Izilda de Souza argumentou ser difícil acompanhar essa conta. "A gente vive sempre no aperto", afirmou. Ela está há dois anos afastada do emprego sem nenhuma fonte fixa de renda. "Estou sem receber salário e sem receber nada do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)", explicou. Izilda de Souza disse ter poucas despesas, mas mesmo assim é preciso fazer contorcionismo para manter o pagamento das contas em dia.
ESTABILIDADE
A pesquisa foi divulgada em um momento de inadimplência estável na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Em abril, apenas 254 nomes foram incluídos na lista da Serasa, totalizando 1.126.296, uma alta de apenas 0,022% em comparação aos 1.126.043 de março. No entanto, é o novo recorde desde janeiro de 2019, data de início dos dados disponibilizados pela empresa. O total da dívida também bateu recorde, chegando a R$ 7,196 bilhões, alta de 0,99% em relação aos R$ 7,125 bilhões do terceiro mês de 2024.
Campinas fechou abril com 448.488 consumidores cadastrados na lista da empresa de análise de crédito. O número representou um aumento de 4,04% em comparação aos 431.063 do mesmo mês de 2023. Já o total da dívida na cidade apresentou uma elevação de 15,29% no mesmo período, passando de R$ 2,55 bilhões para R$ 2,94 bilhões. Segundo a Serasa, o valor médio das dívidas dos inadimplentes na cidade é de R$ 6.566,80, com cada débito ficando em torno de R$ 1.597,25. Os dados apontaram que, em Campinas, há 1.843.878 dívidas em atraso, o equivalente a uma média de 4,11 por devedor.
Segundo o balanço, Valinhos segue na liderança da RMC com o maior tíquete médio de dívida por inadimplente, R$ 7.455,87. O município atingiu a marca de 39.805 consumidores cadastrados, com as contas em atraso somando R$ 296,78 milhões.
A evolução da inadimplência na RMC ficou ligeiramente abaixo do resultado nacional. Segundo a Serasa, o total de inadimplentes em abril foi de 73,42 milhões, alta de 0,72% em relação a março. Já as dívidas somaram R$ 394,3 bilhões, elevação de 1,81%. No Brasil, o valor médio dos débitos atrasados por pessoa é de R$ 5.370,44.
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