O meliante está sério no centro do gramado. Tirante uniforme, não chega a despertar suspeitas. Todos evitam olhar para ele - sabem que num inocente cruzar de olhares pode custar caro no decorrer da partida. Além do apito e dos cartões amarelos, aquele homem solitário carrega o destino de todos nas costas. No erro ou no acerto, nenhum passo é dado sem o peso do seu julgamento. São juízes arbitrários, mas se acham na maioria dos casos os donos da verdade.
Certamente há árbitros (por via das dúvidas, os chamemos assim) honestíssimos por aí. Difícil mesmo é encontrar algum que não cometa erros - como todos nós, é bom que se diga. A diferença é que quando erram não há mais nada a fazer. Nas raríssimas vezes que reconhecem a besteira que fizeram, erram em dobro ao aplicar a lei da compensação.
A história não cansa de justificar porque toda mãe de árbitro é homenageada numa partida de futebol. Coitadas. A burrice, o desleixo, a miopia ou a falta de caráter não são heranças genéticas. São, e provas não faltam, características adquiridas com o tempo.
Darwin só fracassou porque não soube provar como os ornitorrincos conseguem forjar a própria natureza para se sentirem os donos do pedaço, semideuses de um universo em constante mutação. Contrariam a lógica e se tornam indestrutíveis diante dos predadores famintos à sua volta. De presa em potencial, torna-se um rei indomável ao controlar o jogo, fazendo o que quiser com os animais indefesos que os circunda. Não adianta ranger os dentes, latir palavrões, brigar por justiça quando o placar é anunciado de antemão. Eles estão vacinados contra a raiva, imunes contra qualquer crítica, velada ou voraz, correta ou capenga.
Não é preciso ser cientista para saber qual a posição dos árbitro na cadeia biológica. Eles estão longe da extinção, mas viverão até o fim sem ninguém lutando pela sua sobrevivência.