Em tempos de vacas magras no Morumbi, onde os títulos de expressão com o futebol estão cada vez mais raros, um personagem em especial vem sendo motivo de orgulho nas dependências do São Paulo. De volta aos ringues após um hiato de pouco mais de 20 anos, Marcos Roberto dos Santos, ou simplesmente Marcão, vem fazendo bonito quando troca o uniforme da segurança pelas luvas de boxe. Aos 47 anos, ele é o atual campeão brasileiro e também sul-americano amador.
"Na verdade, voltei a competir para emagrecer e intensifiquei os treinamentos. Perdi 22 quilos e, durante os treinos, era muito incentivado pelos companheiros e alunos de um projeto social que frequento. Colocaram na minha cabeça que eu estava bem. Eu acreditei, e acabei voltando", afirmou o chefe de segurança do São Paulo em entrevista ao Estadão.
Dono de uma direita potente, Marcão distribui seus 107 quilos em um corpanzil de 1,86 m. Admirador de Mike Tyson, ele diz se inspirar nos grandes nomes da modalidade que brilharam a partir da segunda metade dos anos 1980. "Tinha muita gente boa naquela época. O Holyfield também era fera. Mas, se tiver que apontar um preferido, era o Tyson mesmo."
Nessa retomada pelas competições, Marcão tem de conciliar o seu trabalho no São Paulo para poder também se dedicar ao boxe. Essa mudança inclui levantar mais cedo para se dedicar aos treinos e muita disposição para conseguir entrar em forma. Muito desse sucesso se deve ao seu treinador. João Ferreira, também conhecido como Ferreirão, e quem comanda uma academia improvisada sob um viaduto no bairro de Perus.
Ali, ele dá espaço a meninos carentes, que não têm dinheiro para frequentar uma academia, e investe o que sobra do seu orçamento mensal na compra de equipamentos e material esportivo a fim de incentivar a prática do boxe. "O Ferreira foi fundamental. Conhece tudo sobre boxe e me ajudou neste processo. Fiquei muito tempo sem competir e recebi dele sempre uma palavra de estímulo e conselhos técnicos importantes para seguir adiante."
Na caminhada do retorno às competições, a primeira conquista aconteceu em abril. Na final do Campeonato Brasileiro da categoria peso pesado, o combate foi contra Erik Rodrigues, em Campinas, em título válido pela União Brasileira de Lutas.
Depois disso, Marcão partiu em busca de um novo cinturão. Em outubro, foi a vez de voltar ao ringue e enfrentar Chico Paraíso na cidade de Jarinu, no interior do estado. Com o novo triunfo, o segurança são-paulino se sagrou campeão sul-americano, desta vez, pela Associação Nacional e Internacional de Boxe.
Mais importante do que as conquistas, segundo Marcão, é a satisfação de poder estar novamente em atividade. "Essa volta foi uma coisa impressionante. Um sonho que virou realidade depois de ficar mais de 20 anos longe das competições. Passa um filme na cabeça da gente."
Os louros da façanha tiveram eco também no Centro de Treinamento da Barra Funda. E os incentivos vieram de todas as frentes. "Funcionários de outros setores e até os jogadores vieram me cumprimentar pelo feito. Teve alguns que até conseguiram assistir às finais pela internet. Muito bacana receber esse carinho."
PROJETO SOCIAL RECEBEU VISITA DE LUGANO
Nas constantes idas ao bairro de Perus para treinar e dar aulas de boxe para os mais jovens, o segurança são-paulino chegou a levar jogadores para conhecer o projeto e também desfrutar um pouco da nobre arte. Entre os convidados, o ex-zagueiro Lugano esteve no local para trocar luvas com os alunos.
"Eles adoraram a visita e o Lugano gostou muito da finalidade do projeto e o incentivo ao esporte. Poder cuidar da saúde e auxiliar as pessoas que necessitam de ajuda por meio do boxe é uma satisfação imensa."
Depois de um período em que precisou ficar com as atividades suspensas por causa da pandemia do covid-19, a Academia do Ferreirão voltou às atividades. Criada em um espaço improvisado sob um viaduto, o local tem como finalidade atender o público mais carente que não tem condições de pagar uma academia.
A prioridade, claro, visa também tirar as crianças das ruas. E diante de uma realidade com poucas perspectivas, Marcão acaba sendo um elemento fundamental de união para atrair cada vez mais o público da região.
"Quando chego lá, e o pessoal descobre que trabalho no São Paulo, todos querem saber como é a relação com os jogadores e o futebol vira assunto. Às vezes consigo uma camisa do time para fazer rifa a fim de levantar um dinheiro para investir em melhorias na academia. Mas é muito bom estar aqui. Esse projeto está na veia da gente. Difícil largar. É uma honra estar participando e ajudando o próximo. Muito bom tentar dar algo de melhor nesse país."
Antes da pandemia, a Academia chegou a funcionar três vezes por semana no período da manhã e também à noite. Segundo Marcão, neste período de retomada, a frequência dos alunos já está em 70% em relação ao movimento que tinha antes da paralisação.