O prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) e o padre Júlio Lancellotti, alvo de uma possível Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a ser instalada na Câmara Municipal da capital paulista, se encontraram nesta segunda-feira, 8, na sede da Prefeitura, afirmou o padre em entrevista à CNN. O encontro foi confirmado pela assessoria do prefeito ao Estadão.
Lancellotti disse que Nunes afirmou a ele durante o encontro que, caso questionado, esclarecerá que a Prefeitura não tem nenhum convênio com a Arquidiocese, com a Pastoral de Rua, nem com nenhuma entidade de que o padre faça parte.
"O prefeito disse que pode prestar os esclarecimentos de que não sou de uma ONG, não recebo recursos, que isso é uma coisa de domínio público e que se a prefeitura for arguida nesse sentido, irá responder isso mesmo: 'Nós não temos nenhum convênio com a Arquidiocese de São Paulo, nem com a Pastoral de Rua, nem com nenhuma entidade que o padre Júlio faça parte'", disse ao jornal.
O encontro teria sido solicitado pelo religioso, que disse ter enviado uma mensagem ao prefeito contando sobre o requerimento de abertura da CPI, e teria recebido uma ligação de Nunes, que disse não estar a par de toda a situação.
Nunes teria reforçado ainda, como fez outras vezes em nota, que o Poder Legislativo não pode sofrer interferência do Poder Executivo. "Ninguém é contra a CPI, mas (a favor) que a CPI tenha um objeto claro de investigação e não personalize", disse o padre em entrevista.
Como mostrado pelo Estadão, a possibilidade de abertura da CPI antecipou o confronto eleitoral na Câmara de São Paulo, gerando uma disputa entre os apoiadores do prefeito e pré-candidato à reeleição, e os aliados do deputado Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à Prefeitura. A Bancada Feminista (mandato coletivo do PSOL na Câmara) tenta reunir 19 assinaturas necessárias para apresentar um pedido de abertura de CPI, dessa vez contra a gestão de Nunes. O objetivo da comissão é investigar o aumento da população em situação de rua e as ações da administração municipal voltadas a essa questão.
Lancellotti disse ainda que reivindicou ao prefeito, durante o encontro, a ampliação da "Operação Altas Temperaturas", que provê recursos para amenizar a sensação de calor da população vulnerável diante das ondas de calor que têm atingido a cidade.
Relembre o caso
O pedido de abertura de uma CPI para investigar o uso de recursos públicos pelas organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Cracolândia teve o apoio inicial de 22 vereadores da Câmara Municipal de São Paulo. Pelo menos oito, porém, anunciaram que vão "retirar seus nomes".
Isso ocorrerá, entretanto, apenas de forma simbólica. Uma vez que o pedido de CPI já foi protocolado - com no mínimo 18 assinaturas, como determinado pelo regimento interno da Câmara -, não há mais como remover a assinatura de algum parlamentar.
Além do autor da proposta, Rubinho Nunes (União Brasil), parlamentares de nove partidos assinaram o requerimento no dia 6 de dezembro. Segundo falas do vereador, o padre Júlio Lancellotti deve ser um dos principais alvos da CPI das ONGs caso ela seja instalada. O documento, porém, não cita o nome do padre e nem das ONGs que seriam investigadas e, por isso, parlamentares se disseram surpresos com foco da investigação e abandonaram a proposta.
O pedido de abertura da CPI segue em tramitação e, no momento, aguarda a apreciação do colégio de líderes, que reúne as lideranças de cada bancada e a presidência da Casa, liderada por Milton Leite (União Brasil). Com o aval dos líderes, o pedido segue para votação no plenário e precisa contar com o apoio de mais da metade dos parlamentares, ou seja, ao menos 28 dos 55 votos. A Câmara Municipal segue em recesso parlamentar até o dia 6 de fevereiro.
Rubinho, aliado do prefeito Ricardo Nunes, acusa tanto as organizações não governamentais quanto o pároco de participarem de uma suposta "máfia da miséria" que "explora os dependentes químicos". Ele tem explorado a proximidade entre Lancellotti e Boulos para atacar o pré-candidato do PSOL.
O que dizem as ONGs
Rubinho Nunes quer investigar o uso de dinheiro público nas ONGs que atuam na Cracolândia e colocar em pauta a chamada política de redução de danos. Segundo o vereador, as organizações usam verbas para distribuir alimentos, kit de higiene e itens para o uso de drogas à população em situação de rua, gerando o que ele chama de um "ciclo vicioso" no qual o usuário de crack não consegue largar o vício.
A Craco Resiste, um dos alvos de Rubinho, rechaçou as acusações e afirmou não ser um ONG, e sim um projeto de militância. "Quem tenta lucrar com a miséria são esses homens brancos cheios de frases de efeito vazias que tentam usar a Cracolândia como vitrine para seus projetos pessoais", declarou a entidade em nota divulgada nas redes sociais. A reportagem não conseguiu contato com o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecido como Bompar, também mencionada pelo vereador.