O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que órgãos públicos e empresas que fecharam acordos de leniência no âmbito da Operação Lava Jato têm 60 dias para chegar a um consenso sobre os pactos. Durante esse prazo, eventual descumprimento do pagamento das multas firmadas não irá gerar qualquer sanção ou punição às companhias. Na prática, o ministro autorizou as partes a renegociarem os acordos, que representam uma espécie de delação premiada pactuada com pessoas jurídicas.
A medida de Mendonça, que é relator do caso na Corte, foi anunciada após uma audiência de conciliação realizada na manhã desta segunda-feira, 26, na Primeira Turma do Supremo. As tratativas deverão sempre ser acompanhadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Durante a reunião, realizada a portas fechadas, o ministro, de acordo com o Supremo, ressaltou a importância dos acordos de leniência como instrumento de combate à corrupção e ponderou que a conciliação não servirá para que seja feito um "revisionismo histórico" do processo.
Valores
Segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU), os acordos totalizam cerca de R$ 9 bilhões, referentes aos valores acertados depois que executivos confessaram a formação de cartel em contratos da Petrobras e outras estatais, desvio de dinheiro público e pagamento de propinas a agentes públicos e políticos. Entre as empreiteiras que firmaram acordos de leniência com órgãos federais nos últimos anos estão as que integravam o chamado "clube vip" da Lava Jato (Odebrecht - atual Novonor -, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa).
A suspensão de multas e a revisão de acordos de leniência ganharam também destaque recente em outras ações no Supremo, relatadas pelo ministro Dias Toffoli.
Em dezembro de 2023, ele suspendeu multa bilionária do Grupo J&F. Dois meses depois, em fevereiro de 2024, repetiu a decisão por solicitação da Novonor (Odebrecht). Toffoli já havia determinado, em setembro do ano passado, a anulação de todas as provas que embasaram o acordo de leniência da Odebrecht. O ministro, na ocasião, chamou de imprestáveis as provas obtidas a partir do acesso aos sistemas do Setor de Operações Estruturadas, o "departamento de propinas" da empreiteira.
Base
A audiência de ontem foi convocada por Mendonça como parte de um processo que questiona acordos de leniência celebrados antes do Acordo de Cooperação Técnica (ACT), que sistematiza regras para o procedimento. PCdoB, PSOL e Solidariedade, partidos que integram a base de apoio ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são os autores da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.051.
Em agosto de 2020, foi estabelecido um Acordo de Cooperação Técnica que sistematizou as regras para os acordos de leniência. O ACT foi uma iniciativa entre o Ministério Público Federal, a CGU, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e o Tribunal de Contas da União (TCU). Na Lava Jato, as empresas firmaram acordos diretamente com o MPF, o que foi questionado pelos críticos da operação.
Na ação ajuizada no fim de março de 2023, as legendas pedem que os acordos de leniência fechados até agosto de 2020 tenham as multas suspensas. O ponto central questionado pelas siglas é de que este acordo entre as instituições reforçou o papel da CGU na costura de termos de leniência com as empresas, mas pactos da Lava Jato foram firmados sem a participação de órgãos representativos da União.
Os autores argumentaram que a suspensão dos pagamentos não se traduz na "invalidação dos acordos de leniência" e atingiria somente as "obrigações pecuniárias assumidas pelas empresas". Os partidos sustentam ainda na ação que ocorreram ilegalidades durante as tratativas para a celebração dos acordos, além de supostos abusos por parte de autoridades que participaram das negociações.
Crítica
Representantes das legendas negaram na época relação entre a iniciativa e o governo federal. Antes da apresentação da arguição no Supremo, Lula havia acusado as investigações da Lava Jato de afetarem o setor da construção civil no Brasil, chegando a dizer que a operação "era para destruir" as empresas. Em uma entrevista, também em março de 2023, o petista voltou a citar teoria conspiratória em relação à Lava Jato, afirmando ter "consciência" de que a operação "fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira" e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O próprio presidente foi condenado e ficou preso por cerca de um ano e meio sob acusação de se beneficiar de desvios de recursos na Petrobras a partir de investigações da operação. A condenação do petista acabou anulada por decisão do Supremo, que considerou a 13.ª Vara Federal de Curitiba incompetente para os julgamentos.
'Boa-fé'
Para Mendonça, a busca de um novo consenso tem como objetivo assegurar que as companhias "negociem com os entes públicos com base nos princípios da boa-fé, da mútua colaboração, da confidencialidade, da razoabilidade e da proporcionalidade".
Conforme informações do Supremo, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, concordaram "com a importância de abertura de diálogo". O ministro-chefe da CGU, Vinícius de Carvalho, também deu aval para o processo de conciliação e disse que a Controladoria-Geral está aberta para ouvir os pedidos de renegociação das empresas.
O encontro contou também com a participação de advogados das empresas, do subprocurador-geral Alexandre Camanho de Assis, e de integrantes da AGU. A lista de participantes da audiência incluía ainda representantes dos partidos PSOL, Solidariedade e PCdoB, além de nomes de Funcef, Caixa Econômica Federal, SOG Óleo e Gás, PEM Engenharia e Setec Tecnologia, Samsung Heavy Industries, Petros, CR Almeida S/A Engenharia de Obras, Companhia Paranaense de Construção, MLR Locações de Máquinas, entre outras. (COLABOROU JULIANO GALISI)