O governo Lula passou a enfrentar uma ameaça de pauta-bomba no Congresso sem conseguir se acertar com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que detêm o poder de controlar as votações no plenário das Casas. A entrada do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva na articulação política, a revisão de vetos - como admitiu o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) - e cobranças feitas ontem pelo petista a ministros evidenciaram a pressão de propostas do Legislativo sobre as contas do Executivo.
Lula cobrou seus ministros publicamente para tentar melhorar a relação com o Congresso. Citou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e os titulares da Fazenda, Fernando Haddad, do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, e da Casa Civil, Rui Costa. O presidente reclamou da falta de articulação política ao mencionar que o PT tem poucos congressistas num universo de 513 deputados e 81 senadores.
"Isso significa que o Alckmin tem de ser mais ágil, tem de conversar mais. O Haddad tem de, sabe, ao invés de ler um livro, ele tem de perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara. O Wellington, o Rui Costa (têm de) passar uma parte do tempo conversando", declarou Lula, ao lado de Haddad, durante o lançamento do programa Acredita, para concessão de crédito, no Palácio do Planalto. O presidente continuou. "Conversa com bancada A, com bancada B. É difícil, mas a gente não pode reclamar porque a política é exatamente assim. Ou você faz assim ou não entra na política", afirmou Lula.
Após viagem aos Estados Unidos, Haddad antecipou sua volta ao Brasil para buscar um entendimento com o Congresso. Na avaliação do governo, quanto antes o ministro estiver em Brasília, maior a chance de evitar que mais itens sejam incluídos na pauta-bomba.
Um dia antes de cobrar empenho de seus auxiliares para ajudar na interlocução com a Câmara e o Senado, Lula conversou com Lira, no Palácio da Alvorada, e disse a ele que os problemas na articulação política do governo com o Congresso seriam resolvidos.
Randolfe afirmou que o presidente vai buscar o diálogo com Lira e Pacheco. "A articulação nas duas Casas está arrumada, mas é sempre bom requisitar a participação do presidente Lula nas negociações", declarou o senador, ontem, durante entrevista à GloboNews.
PARTICIPAÇÃO
Lula quer que Alckmin e ministros entrem em campo, antes de cada votação considerada decisiva - como as leis complementares da reforma tributária, por exemplo - para dirimir dúvidas e tentar promover o entendimento. O clima está conflagrado no Congresso desde que Lula vetou R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares de comissão.
Lira não conversa com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, encarregado da articulação política do Planalto, desde novembro do ano passado. O presidente da Câmara garantiu a Lula, porém, que não ameaçou instalar cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para atrapalhar o governo. Afirmou que somente pediu aos líderes dos partidos para apresentarem o que estava pendente para ir a plenário. Mas reclamou que Padilha "não cumpre acordos" e se queixou da "descoordenação" do governo. No último dia 11, Lira chamou Padilha de "incompetente". Lula defendeu o trabalho do ministro.
Segundo cálculos do governo, projetos em tramitação no Legislativo podem gerar despesas extras de R$ 70 bilhões aos cofres públicos neste ano. A maior parte viria de um projeto patrocinado por Pacheco, a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio, que concede um bônus de 5% para juízes, procuradores e promotores a cada cinco anos de trabalho.
EMENDAS
O pagamento desse benefício - que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado propôs estender para outras carreiras públicas - tem impacto anual estimado em R$ 40 bilhões. Além da PEC do Quinquênio, a desoneração previdenciária de municípios e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) preocupam o Planalto.
Randolfe disse ontem que o governo pode liberar parte do valor dos R$ 5,6 bilhões vetados em emendas. "O governo está à disposição para ceder parte deste veto, para atender às reivindicações do Congresso", afirmou. Parlamentares estão descontentes com a lentidão da liberação de emendas pelo governo, que barrou o cronograma para empenho de todos os repasses ligados à saúde e à assistência social aprovado pelos congressistas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Randolfe afirmou que a apreciação dos vetos presidenciais pelo Congresso, amanhã, se dará em sessão "exitosa". "O governo está disposto a ceder parcialmente sobre os recursos a serem liberados nas emendas parlamentares", insistiu o líder. "Estamos construindo um acordo com o conjunto de vetos. São 32 vetos que nós devemos apreciar, que estamos dispostos a enfrentar com o apoio de nossa base."
PEC DO QUINQUÊNIO
O governo negocia com Pacheco e com o relator da PEC do Quinquênio, senador Eduardo Gomes (PL-TO), a possibilidade de alterar o texto da proposta no plenário da Casa, restringindo as categorias beneficiadas pelo adicional por tempo de serviço. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), foi destacado para a missão. Há, ainda, uma articulação do Planalto com senadores da base governista para tentar convencê-los de que a PEC acabou abrangendo muitas carreiras, o que levaria a um impacto fiscal muito grande.
Apesar de Wagner estar dedicado a negociar a proposta, existe um grupo no governo cético sobre a possibilidade de a proposta avançar. Na Secretaria de Relações Institucionais, há a interpretação de que Pacheco está pressionado por integrantes do Judiciário, setor onde tem bom trânsito, a dar andamento à proposta, mas que não a levará até o fim.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que é vice-presidente do Senado e votou a favor da PEC na CCJ, disse estar disposto a discutir seu posicionamento no plenário da Casa. "Tenho de ter responsabilidade. Estamos vivendo um momento em que o governo e nós, enquanto agentes políticos, nos deparamos com essa realidade fiscal. Não podemos desconhecê-la."
Para que a PEC não seja aprovada, o governo precisa que ao menos 31 senadores se ausentem ou votem contra o texto. Antes de ser votada em plenário, a PEC passará por cinco sessões de debates.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.