O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) recuou e reduziu o preço máximo para a compra em leilão de 3.850 ônibus escolares rurais. A operação para salvar o pregão eletrônico que está sob suspeita de sobrepreço foi desencadeada, ainda na tarde desta segunda-feira, 4, pela cúpula do fundo presidido por um apadrinhado do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Ao mesmo tempo, na manhã desta terça-feira, 5, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar Rodrigues decidiu embargar o resultado do leilão até que passe por análise pela corte de contas.
Reportagens do Estadão mostraram que o Pregão 2/2022 estabelecia o preço máximo de R$ 2,045 bilhões. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a própria equipe técnica do FNDE avaliaram, entretanto, que havia nesse valor um sobrepreço de até R$ 732 milhões. A projeção dos técnicos do fundo foi elaborada aplicando um índice de inflação, o IGP-M, aos valores praticados pelo órgão nove meses antes, no Pregão Eletrônico 6/2021, também aberto para a compra de ônibus escolares.
Durante o período de alertas da CGU e da área técnica do FNDE, o ministro Ciro Nogueira teve duas reuniões no Palácio do Planalto com Marcelo Ponte, presidente do FNDE indicado por ele. Numa reviravolta, um despacho assinado na segunda-feira por Garigham Amarante, que comanda a Diretoria de Ações Educacionais (Dirae) do FNDE, o novo valor máximo estabelecido pelo governo passou a ser de R$ 1,5 bilhão, preço sugerido pela CGU numa manifestação anterior do órgão sobre o assunto, em 10 de março.
Esse valor de R$ 1,5 bilhão corresponde à atualização dos preços do Pregão 6/2021 pelo IPP (Índice de Preços ao Produtor), um outro indicador de inflação. O cálculo representa um recuo do diretor indicado por Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, que divide com Ciro Nogueira os cargos do fundo da Educação.
Com as mudanças da tarde de ontem, os preços voltam a se aproximar do limite máximo sugerido pela área técnica do FNDE. No caso do ônibus de 29 lugares, identificado pelo código ORE 1, o valor máximo sugerido pelos técnicos do FNDE era de R$ 237,8 mil. Depois, no edital válido até a tarde de ontem, foi cotado a R$ 480 mil - uma diferença de 77%. Agora, no novo despacho, passou a R$ 338,5 mil.
Decisão do TCU
O Pregão Eletrônico 2/2022 está previsto para acontecer nesta terça-feira, 5. Pouco antes do início do certame, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Walton Alencar Rodrigues decidiu embargar o resultado até que o assunto possa ser analisado pela corte de contas. Formalmente, a licitação não está suspensa: os fabricantes poderão apresentar suas propostas nesta terça-feira. Apesar disso, o FNDE não poderá utilizar a ata de registro de preços resultante até obter o aval do TCU.
A área técnica do TCU afirmou que não era o caso de suspender o pregão porque era preciso analisar os documentos do FNDE, que não foram repassados oficialmente ao tribunal até agora. Em sua decisão, o ministro Walton criticou o FNDE por não ter entregado os documentos e alertou para a gravidade do caso.
Walton Rodrigues escreveu que, em reunião ontem do FNDE com auditores do TCU, ficou acertado que seria dado acesso aos "arquivos do certame, gravados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Poder Executivo. "Contudo, lastimavelmente, tal medida não restou implementada até o final do dia, impedindo que o TCU avaliasse, adequadamente, os preços de referência do certame", ressaltou o relator.
"Tal fato singular, aliado ao grande valor da licitação que ora se enceta, gera a perspectiva de eventual prejuízo ao Erário", afirmou Walton Rodrigues. Diante da constatação, o ministro foi mais duro do que os auditores e resolveu determinar que o FNDE se abstenha de homologar o resultado da licitação.
"Identifico a presença da probabilidade do direito em relação aos fatos narrados. O fumus boni juris decorre, portanto, da ausência de acesso, por parte dos auditores do Tribunal de Contas da União, a todos os elementos de convicção, necessários à elucidação das dúvidas relevantes, em razão da omissão, ou inércia, ou volição da Administração.
'Desvio de assombrosa importância'
"O fato descrito é grave e envolve a possibilidade do desvio de assombrosa importância em dinheiro. Mais de R$ 730 milhões em prejuízo ao erário, que podem se converter além disso em prejuízo à democracia, a depender da destinação que esses recursos venham a ter, como, por exemplo, a composição do chamado 'caixa 2 de campanha'", escreveu Lucas Rocha Furtado, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, na representação que protocolou ontem no tribunal pedindo suspensão do pregão 2/2022 do FNDE.
Para a área técnica, a situação é grave, mas precisa de uma análise antes de decisão que impeça a realização do pregão. Por isso, a defesa foi por deixar a concorrência ser feita hoje, mas proibir temporariamente a homologação e o resultado até análise completa do TCU.
A Diretoria de Ações Educacionais do FNDE, comandada por Gharigam Amarante, um apadrinhado de Valdemar Costa Neto - presidente do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro -, deu aval para a licitação em valores globais de R$ 2,045 bilhões, o que representa 55% a mais do que os valores considerados adequados por técnicos do FNDE, R$ 1,31 bilhão. O presidente do órgão é Marcelo Ponte, que antes de ser nomeado em 2020 para o cargo era chefe de gabinete no Senado do atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Em viagem ao Rio, nesta segunda-feira, Jair Bolsonaro tentou minimizar o caso, mas acabou admitindo que havia risco de sobrepreço, como revelou o Estadão. "Estão agora me acusando de ter armado a corrupção com compra superfaturada de ônibus, mas nem a licitação foi feita ainda. E quem descobriu fomos nós. Temos gente trabalhando em cada ministério com lupa no contrato. Por isso, não tem corrupção", afirmou.
No documento em que pede a suspensão da compra dos ônibus escolares com preço inflado, o Ministério Público de Contas lembrou o recente escândalo de corrupção envolvendo pastores lobistas no Ministério da Educação, que, segundo prefeitos, teriam pedido propina, conforme revelou o Estadão.
"Se já não bastasse o escândalo do favorecimento, por afinidades políticas e pessoais, de lideranças religiosas que levou à demissão do ex-ministro Milton Ribeiro, o setor de educação do governo federal é agora novamente atingido por suspeitas de descalabros administrativos, se não também morais", comentou o procurador Lucas Furtado.