O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, mandou intimar o presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Saúde a prestarem 'informações que entenderem pertinentes' no âmbito de ação que contesta a cartilha do governo que alega que 'todo aborto é um crime'. Entidades de pesquisa sustentam que o informe dissemina desinformações e estabelece uma restrição ilegal a casos de aborto legal - o procedimento é permitido em caso de estupro, risco de morte da gestante e anencefalia do feto.
Ao analisar o caso, Fachin ponderou que o quadro narrado pelas autoras da ação - a Sociedade Brasileira de Bioética, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e a Associação Rede Unida, que integram a 'Frente pela Vida' - é 'bastante grave e parece apontar para um padrão de violação sistemática do direito das mulheres'. "Se nem mesmo as ações que são autorizadas por lei contam com o apoio e acolhimento por parte do Estado, é difícil imaginar que a longa história de desigualdade entre homens e mulheres possa um dia ser mitigada", ressaltou o ministro.
Após se esgotar o prazo de cinco dias concedido à Presidência da República e ao Ministério da Saúde para manifestações, a Procuradoria-Geral da República terá três dias para se pronunciar sobre a ação.
As entidades que acionaram o Supremo pedem que seja declarada a inconstitucionalidade de qualquer ato administrativo do Ministério da Saúde que restrinja às gestações de até 22 semanas a
possibilidade de realização de aborto legal, assim como de qualquer ação do Estado que implique em burocracia ou barreiras, como exigências não previstas em lei, para a realização do procedimento em casos previstos no Código Penal e em decisão dada pela corte máxima.
Também há um pedido para que seja reconhecida a omissão do Ministério da Saúde por não fornecer informações adequadas em seus canais de comunicação oficiais ou de atendimento ao público sobre os procedimentos para a realização de aborto nas hipóteses legalmente admitidas.
Segundo a 'Frente pela Vida', a 'efetividade do direito à saúde e da dignidade de mulheres que necessitem de valer da interrupção voluntária de gestação nas hipóteses previstas pela lei é afetada pela atuação deliberada do Estado em se omitir quando deveria agir, ou agir contrariamente ao modo adequado à promoção do acesso ao abortamento seguro'.
"Cuida-se, apenas e tão somente, de dar aplicabilidade à lei, fazendo cessar o comportamento omissivo e comissivo que reiteradamente a desrespeita", ressaltam as entidades.
Na petição inicial impetrada no Supremo é citada uma pesquisa realizada por Marina Gasino Jacobs, a qual indicou que, em junho de 2021, o Brasil tinha 102 Serviços de Referência para Interrupção de Gravidez em Casos Previstos em Lei. "Como há normas específicas para a oferta do aborto em gravidezes decorrentes de estupro, desses 102 Serviços, apenas 88 tinham estrutura e equipe suficientes para a oferta do aborto nessas situações pelo SUS. Esses 88 Serviços estavam localizados em 55 municípios, os quais concentravam 26,7% da população do sexo feminino em idade fértil do país", diz trecho do documento que foi encaminhada ao gabinete de Edson Fachin.