Internacional

China: repressão sob Xi Jinping faz pedidos de asilo no exterior aumentarem 400%

Estadão Conteúdo
19/10/2022 às 14:25.
Atualizado em 19/10/2022 às 14:32

Prestes a ser aclamado como líder vitalício do Partido Comunista Chinês e ser indicado a um terceiro mandato como presidente, Xi Jinping está a um passo de se consolidar como o mais poderoso político da China desde Mao Tsé-tung. Nos dois primeiros mandatos, o presidente chinês, ampliou a perseguição a dissidentes e minorias étnicas, o que levou a um aumento de 400% nos pedidos de asilo feitos por chineses que tentaram fugir do país entre 2012 e 2021.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), 732.008 chineses entraram com pedidos de asilo no exterior entre 2012 e 2021, um número quatro vezes maior do que o registrado nos dez anos anteriores, durante o governo Hu Jintao.

O Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, em um relatório de setembro, apontou que cidadãos de nacionalidade chinesa estão entre os que mais solicitaram asilo no país no último ano, correspondendo também a um dos porcentuais mais altos de aprovação dos pedidos, no recorte por nacionalidade.

Segundo especialistas, dentro do espectro da imigração, os pedidos de asilo são vistos como uma espécie de último recurso para quem tenta imigrar. Previsto no artigo 14 da Declaração Universal de Direitos Humanos, o asilo é um instrumento voltado a vítimas de perseguição, seja ela política, em razão de grupo social ou outras razões ligadas ao indivíduo, garantindo-lhes o direito de procurar abrigo em outro país.

"Há outras maneiras para um cidadão chinês emigrar. Eles podem deixar a China para desempenhar uma atividade profissional no exterior, para estudar, para fazer algum investimento... Os números que estão nestes relatórios (sobre asilo) representam apenas uma pequena parte das pessoas perseguidas na China que deixaram o país em busca de uma vida melhor", disse Jing-Jei Chen, pesquisador da Safeguard Defenders, ONG de direitos humanos com sede em Madri.

Jing-Jei Chen aponta que o aumento de pedidos de asilo acompanham o recrudescimento da repressão governamental à sociedade civil. As mudanças se tornaram mais visíveis em meados de 2015, segundo o pesquisador, mas ele classifica como decisivas mudanças na lei penal e processual chinesa por volta de 2018, que autorizaram a detenção e prisão de suspeitos antes mesmo da abertura de um processo criminal, e com a criação de um órgão chamado Comissão Nacional de Supervisão, vinculado ao Partido Comunista, autorizado a intervir em casos considerados de Segurança Nacional.

"Na Era Xi Jinping, ele e o partido têm insistido que cumprem a lei e o devido processo legal. Mas, na verdade, eles apenas formalizaram práticas ilegais e abusivas aos olhos do direito internacional, como as detenções arbitrárias", afirma o pesquisador.

As detenções forçadas foram alvo de um relatório produzido pela Safeguard Defenders e enviado para agências da ONU no ano passado. No documento, a organização aponta o uso de instalações secretas de detenção por Pequim, em um sistema diferenciado chamado de Residência Vigiada em Local Designado (RSDL, na sigla em inglês). Entre 2013 e 2020, os pesquisadores estimam que 37.975 pessoas tenham sido detidas por até seis meses em instalações secretas, sem qualquer tipo de autorização judicial prévia, no que foi classificado pela ONG como um dos mais abrangentes sistemas de "desaparecimento em massa do mundo".

Oportunidade econômica x liberdade política

O peso da repressão da Pequim de Xi para a fuga de chineses fica mais evidente dentro de uma perspectiva histórica. De acordo com o professor Alexandre Uehara, coordenador do Grupo de Estudos sobre Ásia do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP, o comportamento da migração chinesa costumava espelhar um pouco da situação econômica do país.

"Em décadas anteriores, um grande número de chineses buscava oportunidades no exterior, porque a China era um país com uma situação econômica não muito boa. Entrando neste século, porém, começamos a perceber que muitos chineses optaram por voltar à China pelas oportunidades de trabalho, mesmo com uma liberdade política menor do que encontravam no Ocidente. Era como se fizessem um cálculo de custo-benefício: ficar na China com uma liberdade política menor, mas compensando com o ambiente econômico favorável e estarem inseridos em sua cultura", disse Uehara.

Além da repressão direta a opositores, Uehara aponta para um endurecimento dos controles econômicos do governo sobre as empresas chinesas também causaram insatisfação interna, interrompendo em parte o processo de abertura econômica que o país iniciou nos anos 80.

"Com Xi Jinping, vemos o controle do governo não só sobre o capital estrangeiro, mas também sobre o próprio capital chinês. Houve impedimentos a empresas de colocarem suas ações na Bolsa de Nova York, empresas que não puderam atuar em algumas atividades econômicas porque o governo não achava isso interessante... Essas ações restritivas fizeram com que mesmo empresas de destaque sentissem sua liberdade de atuação cerceada".

"Na Era Xi Jinping, estabilidade está associada ao crescimento econômico. No entanto, estabilidade é mais importante do que qualquer outra coisa, quando compreendida como a consolidação do controle do Partido Comunista, especialmente uma parte muito restrita e dominante, liderada por Xi. Mesmo que você veja empresas e iniciativas crescendo na China, temos empresários entre as pessoas que deixam o país, porque suas atividades foram ameaçadas pela autoridade constituída", disse o pesquisador Chen.

Repatriação forçada

O fluxo de cidadãos abandonando o país não passou despercebido pelo governo chinês, que buscou formas de reverter o quadro - embora sem sucesso, segundo os dados. Em fevereiro deste ano, a Organização das Nações e Povos Não Representados (UNPO, na sigla em inglês) publicou uma nota em que denunciava que a China "sequestrou" e repatriou de maneira forçada cerca de 10 mil pessoas no escopo de programa de repatriação batizado como operação Sky Net.

A organização citou um relatório produzido pela Safeguard Defenders que revelou os métodos do "programa de retorno involuntário" de cidadãos à China. Em vez de recorrer aos meios legais tradicionais, como extradição e deportação, a ONG registrou o uso de operações secretas não regulamentadas e ilegais, que utilizaram "uma combinação de persuasão, intimidação e assédio por ameaçar familiares e parentes ainda na China; envio de agentes (policiais disfarçados ou indivíduos contratados localmente) no exterior para intimidar alvos em seus países anfitriões a retornar; e o uso de sequestro direto sancionado pelo Estado", dizia a nota da organização.

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