Políticos do Centrão avançaram nas articulações para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite que parlamentares ocupem cargos de embaixador sem ter de renunciar ao mandato. Revelada pelo Estadão/Broadcast, a PEC recebeu críticas dentro e fora do Itamaraty. Ela estava engavetada, mas voltou a andar neste mês, com apoio explícito de 27 senadores. A intenção é aprovar a mudança antes do recesso parlamentar e das eleições.
De autoria do senador Davi Alcolumbre (União-AP), a proposta apresentada no ano passado põe 185 cargos do serviço exterior em jogo na barganha política entre Planalto e Congresso. Desse total, 53 são de chefia nos chamados "postos A", as representações do País mais cobiçadas e prestigiadas no Itamaraty, como Washington, Lisboa, Londres e Paris.
Alcolumbre indicou que já tem os votos necessários para aprovar o texto. Uma PEC precisa passar por votação dupla no Senado, com ao menos 49 votos favoráveis, e na Câmara, com 308, em cada turno.
Na atual legislatura, nenhum parlamentar exerce função de embaixador ou cônsul-geral. Hoje, os embaixadores "não diplomatas" nomeados pelo governo Jair Bolsonaro são o general da reserva Gerson Menandro (Tel-Aviv) e o ex-ministro do Tribunal de Contas da União Raimundo Carreiro (Lisboa).
Bolsonaro tentou ter como embaixador na África do Sul o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos), bispo da Igreja Universal, mas não houve aval do país. O presidente também anunciou que indicaria o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) como embaixador em Washington, mas recuou diante de questionamentos às credenciais do filho.
'EXCEPCIONAL'
Diplomatas brasileiros disseram que, historicamente, nunca houve um número significativo de embaixadores vindos da política, justamente por causa dessa restrição. A legislação prevê que embaixadores de fora da carreira diplomática devem ser indicados de forma "excepcional". Mas, se a PEC vingar, não haverá obstáculo para que o presidente indique parlamentares como embaixadores.
Como atualmente no Brasil, a proibição é comum em outros países. Nos Estados Unidos e na França, caso um político com mandato seja indicado para missão diplomática, ele não pode manter os dois cargos. Na Argentina, há restrição semelhante.
Apoiadores da PEC criticam a restrição sob a justificativa de que um parlamentar não é obrigado a renunciar quando se torna ministro de Estado, por exemplo. Para Alcolumbre, é "afronta ao bom senso" o fato de um congressista poder exercer cargo de chanceler sem a obrigatoriedade de renunciar, mas ter essa "amarra" para ser embaixador.
No esforço para barrar a proposta, diplomatas marcaram uma audiência pública com senadores sobre o assunto, dia 5 de julho. Um dos convidados será o ministro das Relações Exteriores, Carlos França.
O relatório favorável à proposta é da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) e está pronto para ser votado. "A aprovação da PEC tem a virtude de eliminar essa insustentável discriminação, que atenta contra o princípio isonômico previsto na Constituição", declarou ela.
Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Casa, Kátia Abreu (PP-TO) afirmou que não se opõe à PEC, mas defendeu um período específico para o exercício do cargo por parlamentares e um limite de vagas. O Itamaraty não se manifestou sobre o assunto.
'DANINHO'
A embaixadora aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros, espera uma posição dura do chanceler Carlos França. "Isso é o princípio da destruição da carreira diplomática como tal. Nós somos apartidários. Você acha que jovens vão entrar no Itamaraty para disputar no par ou ímpar com deputado ou senador, em troca de voto político? Não vão. Os cargos serão intercambiáveis. É um ativo político daninho para a política externa e para o funcionamento do Congresso", afirmou.
A entidade promete questionar no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da PEC, caso seja aprovada. "Essa proposta enfraquece Congresso, Executivo e Itamaraty", disse Maria Celina.
"Essa iniciativa é mais uma atitude que desmerece o Congresso por beneficiar interesses políticos menores propiciando barganhas", escreveu o ex-embaixador Rubens Barbosa, em artigo no Estadão/Broadcast.