Acostumada a bater recordes e ver seu nome no Guiness Book, Letícia Bufoni resolveu ir mais longe desta vez. Ou melhor, mais alto. A skatista de 29 anos surpreendeu ao tentar uma manobra que ninguém nunca fez antes. No céu. A três mil metros de altura, ela deslizou sobre um corrimão numa pista montada dentro de um avião e finalizou o ousado movimento já fora da aeronave. Na sequência, sua larga experiência de paraquedista garantiu um salto divertido e um pouso tranquilo.
O salto inédito, que deve render outra menção no livro dos recordes, pode ser conferido nas fotos e vídeos abaixo. A alta qualidade das imagens não é por acaso. Nomes de peso integraram a equipe, a começar pelo cinegrafista Craig O'Brien, o mesmo que filmou o ator Tom Cruise saltando no filme "Missão Impossível: Efeito Fallout". Letícia recebeu treinamento do americano Jeffrey Provenzano, lenda do paraquedismo e campeão mundial da modalidade. Por fim, o avião foi o mesmo utilizado num dos filmes da franquia "Velozes e Furiosos".
O feito mostra uma das tantas facetas que a skatista construiu ao longo dos últimos anos. Letícia vem se acostumando a ver seu nome no noticiário não somente por conta de medalhas e troféus. Ela se tornou garota-propaganda de diversas marcas, incluindo a Red Bull (responsável pelo salto), e vem investindo em uma carreira empresarial. A atleta criou sua própria marca de skate, abriu seu canal no YouTube e resolveu se aventurar no automobilismo, no qual já está competindo.
Na prática, Letícia vem deixando o skate um pouco de lado para iniciar a chamada transição de carreira, segundo revelou ao Estadão neste bate-papo. "Este foi o primeiro ano da minha carreira em que reduzi o tempo de treino para focar no meu lado empresária", contou a atleta, que evitou projetar sua participação na Olimpíada de Paris-2024. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Como foi sua preparação para essa manobra tão inédita?
Desde a primeira ideia, do meu sonho que levei para a Red Bull, foram cinco anos. Comecei a me preparar em janeiro, com trabalho físico. O salto aconteceu no final de julho. Foram vários tipos de preparação. Primeiro, foi o treino físico porque precisei aumentar a massa muscular. Tive que levantar mais peso porque o paraquedas é pesado. E comecei a fazer um treino específico de paraquedas. Foram 60 saltos de janeiro até o dia da gravação.
Você já tinha saltado antes deste ano?
Sim, tenho licença desde 2013. Antes deste projeto, eu já tinha pouco mais de 80 saltos. Porém, estava um tempo sem saltar porque minha agenda de competição no skate estava muito corrida. E, por causa da Olimpíada do Japão, resolvi dar um tempo nos saltos. Estava há três anos e meio sem saltar. Então, este treino que tive era para fazer uma reciclagem e para que tudo corresse bem.
Mesmo para uma pessoa acostumada a esportes radicais, imagino que deve ter dado um friozinho na barriga, certo?
Deu bastante. Todo o processo de reunião e produção já me dava frio na barriga. Quando chegou na gravação (foram quatro dias), eu estava muito tensa porque muitas coisas poderiam dar errado. Como foi algo inédito, todos nós tínhamos dúvidas se realmente iria dar certo. Por isso, escolhemos a dedo a equipe. Elas me deixaram mais tranquila.
Quantos saltos foram?
No total, foram quatro. O primeiro foi mais de teste mesmo, para saber se seria possível realizá-lo. Foi mais para avaliar o vento, principalmente o primeiro contato com o ar. Assim que passa da porta do avião, o vento é muito forte. O segundo salto já foi a manobra que eu queria fazer. E, no terceiro, aconteceu exatamente aquilo que a gente queria. Consegui deslizar no corrimão, fazendo o "grind", e consegui manter o skate no pé mesmo já estando no ar. Foi até mais perfeito do que imaginei. Achei que não conseguiria manter o skate no pé por alguns segundos depois de sair do corrimão.
Foi seu sonho mais difícil de realizar na vida?
Eu sou uma pessoa que gosto muito de sonhar... Este era um sonho que eu achei que seria impossível. Porque nunca foi montada uma pista de skate dentro de um avião. Nunca foi feita uma manobra no céu. Então, fiquei com várias dúvidas. Na minha cabeça, era uma missão impossível, mas acabou sendo possível.
Quando começou a saltar?
Foi em 2013 mesmo. Fui chamada para uma gravação e precisava fazer um salto, com ajuda de uma pessoa. Gostei tanto que decidi que tiraria a licença para poder saltar sozinha, sem ajuda de ninguém. Sou o tipo de pessoa que gosto muito de estar no controle das coisas. Hoje tenho 140 e poucos saltos.
Você se vê disputando a Olimpíada de Paris, daqui a dois anos?
É algo que estou levando um dia de cada vez. Tive um ano muito corrido, com vários projetos. Lancei o meu canal no YouTube, estou gravando um documentário com a Red Bull, estou lançando este projeto do Skygrind, fora várias outras coisas que tenho na minha agenda. Quero esperar o ano que vem Ainda não foi decidido o calendário das qualificações para a Olimpíada. Estou esperando para ver se vai encaixar na minha agenda.
E quais são os seus planos para 2023?
Ainda não tenho a agenda do ano todo, só até maio. Está uma loucura, muita coisa acontecendo. Comecei a correr de carro, circuito de UTV, está sendo incrível. No ano que vem, vou fazer mais alguns circuitos de pista também. Isso vai acabar enchendo a minha agenda. E tenho alguns projetos de skate bem bacanas para 2023.
Como o automobilismo entrou em sua vida?
Quando eu comecei a andar de skate, eu treinava na pista do shopping Aricanduva, na zona leste de São Paulo. Lá tinha uma pista de kart no estacionamento. E comecei a correr lá depois do treino. Me apaixonei pelo esporte. Meu pai chegou a comprar dois karts para mim. Comecei a competir em São Paulo. Mas, ao me mudar para os EUA, a carreira de skate passou a tomar muito do meu tempo. Tive que deixar o kart de lado. Mas, sempre que tinha oportunidade, andava em alguma pista. Há dois anos, eu montei meu carro de drift, que é algo que fiz pela primeira vez em 2020 e me apaixonei. E neste ano comecei a competir de UTV nos EUA, no Natu Rally Cross.
Vai disputar outras competições de automobilismo em 2023?
Pretendo correr em outras competições de carros de rua, na pista. E não somente no off-road. Tenho um campeonato grande em vista, ainda não posso falar sobre o assunto. Mas estamos caminhando bem. Neste ano já disputei duas etapas de UTV e tem mais duas ainda em 2022.
Neste ano, você disputou menos competições de skate e se envolveu em muitas atividades. Já começou a transição de carreira?
Acho que este ano de 2022 foi o que eu mais me dediquei para esse lado de empresária. Com a minha marca de skate, estou ficando bem ocupada, tendo que tomar várias decisões que até 2020 eu não tinha que tomar. Com certeza, estou considerando mais este lado de empresária. Eu ainda me vejo muito como skatista. Não consigo me imaginar apenas nesta vida de empresária. Mas, com certeza, hoje tenho muito menos tempo para andar de skate hoje do que tinha há dois ou três anos. Este foi o primeiro ano da minha carreira em que reduzi o tempo de treino para focar no meu lado empresária.
No fim de semana, você estreou como comentarista na final da Liga Mundial de Skate Street. Como é a sensação de ver as amigas e rivais competindo e você de fora?
Para ser bem sincera, eu ainda não me acostumei com este lance de não estar competindo. Fico muito ansiosa toda vez que vejo elas competindo e eu não estou participando. Ainda mais vendo a Rayssa (Leal, a Fadinha) competir. Ela é a minha irmãzinha. Estamos sempre juntas. Fico super tensa. É meio estranho ainda. Mas ao mesmo tempo é incrível ter uma oportunidade como essa.