Os países do Brics formalizaram nesta quarta-feira, dia 23, a criação de uma nova categoria de associação ao bloco e definiram a lista com 13 países potenciais, deixando de fora a Venezuela. Apesar de contar com a simpatia de Rússia e China e de ter viajado a Kazan de última hora, o ditador Nicolás Maduro viu seu plano de entrar no grupo de economias emergentes bloqueado nos bastidores pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.
A Declaração de Kazan, documento final da 16ª cúpula anual de líderes do Brics, confirma o estabelecimento da categoria de "Países Parceiros do Brics". Os líderes celebraram o "considerável interesse dos países do Sul Global". Em Kazan, os atuais membros do bloco avaliaram manifestações formais de adesão expressadas por 33 países.
A versão oficial do governo brasileiro é que o País não patrocinou novas adesões, nem as vetou. Questionado sobre como o Brasil se posicionou sobre o pleito da Venezuela, o chanceler Mauro Vieira, afirmou que a discussão não chegou a ser feita agora - ao menos explicitamente entre os líderes.
"A discussão desses dias foi sobre os critérios e os princípios que vão orientar a ampliação do Brics futuras. Quanto à lista de países será decidido daqui para frente. A presidência russa fará consultas com cada um dos dez membros atuais e depois então vamos declarar, vamos anunciar quais são esses países. Isso pode acontecer em menor prazo, pode ser em maior prazo, se não for até o final do ano passará para o próximo ano e para a presidência brasileira", disse ministro das Relações Exteriores, que assumiu a chefia da representação brasileira após Lula cancelar sua viagem por orientação médica.
Nos bastidores, porém, diplomatas diretamente envolvidos nas tratativas indicaram aos pares que o Brasil tinha sim objeção ao plano de ingresso venezuelano. Segundo negociadores, eles receberam instruções nesse sentido vindas de Brasília no mais alto nível político - ou seja, do presidente Lula e de seu assessor especial Celso Amorim.
Lula e Amorim estavam incomodados com o esgarçamento de relações com Caracas. Nos últimos dias, vieram a público novas provocações de Maduro e seu entorno, como a insinuação de que Lula era um agente recrutado pela CIA - agência de inteligência dos Estados Unidos. Com um longo histórico de amizade e defesa dos chavistas, Lula e Amorim fracassaram até agora ao tentar mediar um entendimento político no país vizinho e não reconheceram o chavista como vencedor da eleição presidencial de julho, suspeita de fraude.
Em paralelo, Maduro realizou nesta quarta-feira uma reunião bilateral com Putin e disse que seu país pratica "todos os princípios do Brics por convicção". "A Venezuela está no caminho do Brics, do equilíbrio do mundo", afirmou o chavista, após o encontro com o anfitrião.
Ele chegou a Kazan depois que já havia enviado a vice-presidente Delcy Rodríguez. A Venezuela recebeu o convite por meio de uma carta de Putin. "Já somos parte da engrenagem, desta engenharia do mundo multicêntrico, pluripolar que está nascendo", afirmou o chavista ainda no aeroporto, em claro movimento de pressão para entrar no grupo. "Os Brics já se converteram no epicentro do novo mundo multipolar."
Durante a reunião, Putin destacou que "a Venezuela é um dos parceiros confiáveis de longa data da Rússia na América Latina e no mundo todo". O russo voltou a expressar que apoia o desejo de Maduro de se juntar ao Brics.
Em Kazan, participaram pela primeira vez de uma cúpula do Brics após a expansão de 2023 os dez membros atuais - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã. O Brasil vai assumir a presidência rotativa em 1º de janeiro de 2025, quando estará criada a categoria de países "parceiros", para a qual estão sendo convidados outros 13 países.
O Estadão teve acesso ao documento em que consta a "lista consolidada de potenciais países parceiros". São eles: Argélia, Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã.
O Brasil indicou preferência pela aprovação de dez novos associados. O governo indicou simpatia pelas candidaturas de latino-americanos, como Cuba e Bolívia, por exemplo, e também manifestou aos pares que barraria o pleito da Nicarágua, cujo ditador Daniel Ortega rompeu com Lula.
O ministro das Relações Exteriores disse que não pode haver um "aumento desmedido" no número de países associados ao Brics, que não é um bloco formal e nem dispõe de uma base e secretariado.
Segundo ele, o Brasil não vai se desengajar do grupo, mas também não vê sua participação como um movimento hostil ao Ocidente - Estados Unidos e Europa. A fortalecimento de um polo alternativo vem sendo fomentado por russos e, sobretudo, pelos chineses, até então os principais incentivadores da expansão a qualquer custo e a maior possível, segundo diplomatas diretamente envolvidos.
"O Brasil não é contra ninguém. O Brasil é a favor da cooperação e do desenvolvimento do nosso próprio interesse nacional. Eu acho que existe uma visão negativa do Brics, porque acham que o Brics é contra um ou contra outro. Não é nada disso. O Brasil, até onde eu sei, é um País do Ocidente. Então, o Brasil não vai querer ser contra si próprio. E o Brasil tem ótimas e antiquíssimas relações com todos esses países", afirmou Vieira.
Até a confirmação das novas adesões e a definição do escopo de participação e das prerrogativas dos países "parceiros" - uma das possibilidades é que não tenham direito a vetar assuntos -, o Itamaraty espera que surjam novas pressões sobre a lista fechada em Kazan. Isso porque os direitos de quem terá o status de parceiro podem desagradar.
Entre os critérios avaliados para os convites estavam relevância política, equilíbrio na distribuição regional dos países, alinhamento à agenda de reforma da governança global, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, e de instituições financeiras, como o FMI, rejeição a sanções não autorizadas pelas Nações Unidas no âmbito do conselho, e relações "amigáveis" com todos os membros.
O retorno da Venezula ao páreo, por enquanto, é visto com ceticismo no governo brasileiro, porque dependeria de nova discussão entre os líderes para chegar a um consenso e, potencialmente, desgastaria a relação com Lula, que já indicou discordância.
"Tem que haver uma consulta entre todos os países, havendo uma posição que leve a um consenso, são 10 ou 12 países, o Brasil é favorável que haja um número de dez, já que são dez atualmente os membros, que os parceiros sejam também dez nesse primeiro passo. Então tudo será feito em consenso e em consulta", afirmou Vieira.
Os negociadores do Brics fecharam acordo para não divulgar oficialmente, por enquanto, a lista de países que estão sendo sondados para se juntar ao grupo. Eles deixaram de incluir a relação dos 13 na declaração final da cúpula, como fizeram no ano passado.
Essa foi uma forma de evitar constrangimentos depois que a Argentina, sob o governo Javier Milei, acenou aos Estados Unidos e Europa e declinou do convite formalizado em Johannesburgo, África do Sul. A Arábia Saudita, tratada como membro, também alega ainda não ter decido pela adesão formal, tendo por enquanto uma participação precária e subrepresentada.
Agora, os russos vão iniciar o processo de sondagens junto aos 13 países. Moscou tem interesse sair como o patrocinador de novos membros por angariar apoio ao governo Vladimir Putin, sobretudo, por causa do isolamento provocado pela guerra na Ucrânia. A organização da cúpula russa tem divulgado imagens que ajudam Putin combater a ideia de que se converteu num pária internacional.
Nesta quinta-feira, dia 24, os chefes de Estado e de governo dos países Brics participam justamente do segmento da cúpula destinado à interação com representantes dos países convidados pela Rússia, que costumam ser chamados de Brics Outreach/Brics Plus. Entre eles, estão em Kazan Maduro e os potenciais membros da categoria de "países parceiros", nações que estão há algum tempo na órbita do grupo e participam regularmente de atividades. A cúpula deve ser encerrada com uma coletiva de imprensa de Putin.