Militares do Brasil trabalharam para barrar uma condenação à guerra na Ucrânia e um pedido de cessar fogo na Declaração de Brasília, a carta de ministros da Defesa de 34 países das Américas, em discussão na capital federal. A redação final do documento passa pelos últimos ajustes nesta quarta-feira, dia 27. O texto precisa ser aprovado e assinado na quinta-feira, dia 28, em reunião plenária da Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CMDA).
O Canadá, com apoio dos Estados Unidos, sugeriu que a Declaração de Brasília abordasse o conflito na Ucrânia, iniciado por uma invasão da Rússia em 24 de fevereiro. Os canadenses, representados por Michael Carter, diretor de Política do Hemisfério Ocidental, indicaram a inclusão do seguinte parágrafo na carta dos ministros:
"Seu compromisso de defender os valores da autodeterminação, da liberdade de opressão estrangeira, do respeito às fronteiras reconhecidas internacionalmente e da soberania nacional, - sobre os quais todos os Estados-Membros da CMDA foram fundados. A paz e a prosperidade do Hemisfério Ocidental - e, de fato, do mundo inteiro - depende da adesão e do respeito a esses valores. Violência e agressão, como estamos testemunhando com a invasão russa da Ucrânia, não é a resposta para disputas. As nações da CMDA pedem a cessação das hostilidades e, como solicitado nos Princípios de Williamsburg, para a resolução deste conflito por acordo negociado."
O Canadá sugeriu que a guerra na Ucrânia e suas consequências fossem citadas na Declaração de Brasília durante uma reunião preparatória, por videoconferência, realizada entre 30 e 31 de março. Para os militares canadenses, a guerra impacta fluxos migratórios, um dos temas centrais da conferência, e todos os países arcam com prejuízos. Por isso, o tema deveria constar na carta dos ministros e ser considerado por todos os países.
O Brasil liderou a oposição à inclusão da guerra no texto e foi acompanhado por três países latino-americanos, cujos governos são de esquerda. O capitão de Mar e Guerra Ciro de Oliveira Barbosa, coordenador-geral da Seção de Organismos Interamericanos, argumentou que o conflito entre Rússia e Ucrânia não deveria ser tratado no âmbito da CMDA, "já que existiriam outros organismos internacionais mais apropriados para a tratativa de assuntos afetos a esse conflito".
Com aval do presidente Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira votou contra a Rússia em instâncias das Nações Unidas, mas não se alinhou totalmente ao Ocidente e pediu o abrandamento dos termos em relação a Moscou. A postura é vista como dúbia pela potências ocidentais. O presidente afirmou que adotou "neutralidade" e "equilíbrio", posição questionada pelo presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Dias antes da invasão russa, Bolsonaro visitou Moscou e se reuniu com o presidente Vladimir Putin. Na ocasião, Bolsonaro disse que se solidarizava com a Rússia. Os russos têm recorrido ao Brasil para evitar exclusões e bloqueios em organismos internacionais, como G-20 e FMI. O Brasil se colocou contra sanções econômicas a Moscou.
Apesar de seus presidentes terem condenado a invasão russa, as delegações militares de Argentina, México e Chile também se opuseram a abordar o tema na CMDA, com argumento similar ao brasileiro. Os governos de México e Argentina rechaçaram aplicar sanções aos russos, enquanto o do Chile se manifestou parcialmente favorável. Na CMDA, a sugestão dos chilenos, por exemplo, era que o conflito na Ucrânia fosse tratado apenas pelos chanceleres, no âmbito dos ministérios das Relações Exteriores.
Os Estados Unidos endossaram a proposta de citação apresentada pelo Canadá. Representados por Daniel Erikson, subsecretário adjunto de Defesa para Assuntos do Hemisfério Ocidental, os EUA disseram que entendiam o argumento do Brasil em relação ao foro adequado para tratar da guerra, mas pediram estudos e análises contínuas sobre os efeitos do confronto bélico em todo o planeta.
Apesar da objeção prévia do Brasil e dos três países latino-americanos, a sugestão canadense consta entre as "propostas de melhoria" na redação da Declaração de Brasília, para ser discutida de forma mais aprofundada antes da assinatura nesta quinta-feira.
Além da guerra, Canadá e EUA sugeriram mudanças na abordagem de temas ambientais e climáticos. Ambos citaram o respeito aos ordenamentos jurídicos e à soberania nacional de cada país, algo que tem sido cobrado pelo governo Bolsonaro nas discussões internacionais sobre a Amazônia.
O Canadá pediu que os ministros da Defesa reconheçam "sua intenção de continuar apoiando a preservação do meio ambiente e a resiliência climática, através da troca de experiências em mitigação climática e adaptação aplicável ao setor, conforme o marco jurídico de cada Estado e respeitando suas soberanias nacionais". Já os EUA sugeriram que os representantes militares reconheçam que "mudanças climáticas influenciarão o papel das instituições de defesa e suas missões, e o reconhecimento de que os Estados-Membros devem fortalecer seus compromissos de responder às mudanças climáticas e fatores ambientais, construir resiliência climática e investir na proteção ambiental, de acordo com o arcabouço legal de cada Estado e respeitar sua soberania nacional".